Trata-se do vencedor do Prémio Manuel António Pina, instituído pela C. M. Guarda:
JOÃO RASTEIRO(Coimbra - Portugal, 1965). Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos, pela Universidade de Coimbra. Poeta e ensaísta, traduziu para o português vários poemas de Harold Alvarado Tenorio, Miro Villar e Juan Carlos Garcia Hoyuelos.
Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia
Meu amor, meu amor Minha estrela da tarde Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde Meu amor, meu amor Eu não tenho a certeza Se tu és a alegria ou se és a tristeza Meu amor, meu amor Eu não tenho a certeza
Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram
Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!
"Não lia para reavivar o desejo de uma alma diferente da que se enroscava em mim no crepúsculo ou para me juntar com felicidade às alegrias que decorriam na outra face do universo, a que nunca se vê; nem mesmo, quiçá, para ir ao encontro de outra vida; não, eu lia para poder enfrentar com sensatez e seriedade, como homem honrado, tanto o que me acontecia na vida como a ausência de Janan, uma ausência que eu sentia muito profundamente. Com a noite já avançada, quando levantava a cabeça do livro que estava a ler com um sentimento de serenidade e de equilíbrio espiritual, dava-me conta do silêncio profundo que reinava no bairro."
Chega aos poucos o Outono e as rosas florescem mais lentas e mais franzidas lembrando os humanos com o frio. Fica a última da série saudando a chuva que se mostrou em força e promete prolongar-se.
As almas também se desfolham aos poucos, mas mantêm a esperança!
Animais doentes as palavras Também elas Vespas formigas cabras De trote difícil e miúdo Gafanhotos alerta Pombas vomitadas pelo azul Bichos de conta bichos que fazem de conta Pequeníssimas pulgas uma sílaba só Lagartos melancólicos Estúpidas galinhas corriqueiras Tudo tão doente tão difícil De manejar de lançar de provocar De reunir De fazer viver
Ou então as orgulhosas Palavras raras Plumas de cores incandescentes Altos gritos no aviário E o branco sem uso Imaculado De certas aves da solidão
Para dizer Queria palavras tão reais como chamas E tão precárias Palavras que vivessem só o tempo de dizer a sua parte No discurso de fogo Logo extintas na combustão das próximas Palavras que não esperassem Em sal ou em diamante O minuto ridículo precioso raro De sangrar a luz a gota de veneno Cativa das entranhas ociosas.
Ó meu coração, torna para traz. Onde vais a correr desatinado? Meus olhos incendidos que o pecado Queimou! Volvei, longas noites de paz.
Vergam da neve os olmos dos caminhos. A cinza arrefeceu sobre o brasido. Noites da serra, o casebre transido... Cismai, meus olhos, como uns velhinhos.
Extintas primaveras, evocai-as. Já vai florir o pomar das macieiras. Hemos de enfeitar os chapéus de maias.
Sossegai, esfriai, olhos febris... Hemos de ir a cantar nas derradeiras Ladainhas...Doces vozes senis.