Sonhe com estrelas, apenas sonhe, elas só podem brilhar no céu. Não tente deter o vento, ele precisa correr por toda parte, ele tem pressa de chegar, sabe-se lá aonde. As lágrimas? Não as seque, elas precisam correr na minha, na sua, em todas as faces.
O sorriso! Esse, você deve segurar, não o deixe ir embora, agarre-o! Persiga um sonho, mas, não o deixe viver sozinho. Alimente a sua alma com amor, cure as suas feridas com carinho. Descubra-se todos os dias, deixe-se levar pelas vontades, mas, não enlouqueça por elas.
Abasteça seu coração de fé, não a perca nunca. Alague seu coração de esperanças, mas, não deixe que ele se afogue nelas. Se achar que precisa voltar, volte! Se perceber que precisa seguir, siga! Se estiver tudo errado, comece novamente. Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-as. Se perder um amor, não se perca! Se o achar, segure-o! Circunda-se de rosas, ama, bebe e cala. O mais é nada.
Se não fosse esta certeza que nem sei de onde me vem, não comia, nem bebia, nem falava com ninguém. Acocorava-me a um canto, no mais escuro que houvesse, punha os joelhos à boca e viesse o que viesse. Não fossem os olhos grandes do ingénuo adolescente, a chuva das penas brancas a cair impertinente, aquele incógnito rosto pintado em tons de aguarela, que sonha no frio encosto da vidraça da janela, não fosse a imensa piedade dos homens que não cresceram, que ouviram, viram, ouviram, viram, e não perceberam, essas máscaras selectas, antologia do espanto, flores sem caule, flutuando no pranto do desencanto, se não fosse a fome e a sede dessa humanidade exangue, roía as unhas e os dedos até os fazer em sangue.
Não direi: Que o silêncio me sufoca e amordaça. Calado estou, calado ficarei, Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam, Se represam, cisterna de águas mortas, Ácidas mágoas em limos transformadas, Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi: Que nem sequer o esforço de as dizer merecem, Palavras que não digam quanto sei Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas, Nem só animais bóiam, mortos, medos, Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi, Crispadamente recolhido e mudo, Que quem se cala quando me calei Não poderá morrer sem dizer tudo.
José Saramago, OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO
[1922 -2010 - fica a homenagem simples nesta hora de partida.]
As prodigiosas criações vocais da norte-americana Meredith Monk têm palco exclusivo no TMG esta quinta-feira, dia 17 de Junho. A cantora sobe ao palco do Grande Auditório, às 21h30, acompanhada pelas vozes de Katie Geissinger e Allison Sniffin, esta última também ao piano, e ainda por Bohdan Hilash nos instrumentos de sopro. Meredith Monk é compositora, cantora, coreógrafa, autora de nova ópera, peças de teatro musical, filmes e instalações. Uma pioneira naquilo a que agora se designa por “técnica vocal estendida” e “performance interdisciplinar,” Monk cria trabalhos que misturam música e movimento, imagem e objecto, luz e som, num esforço por descobrir novos modos da percepção. A sua exploração da voz como um instrumento, como uma linguagem eloquente por si só, expande as fronteiras da composição musical, criando paisagens sonoras que desenterram sentimentos, energias, e memórias para as quais não temos palavras. Foi proclamada como “uma maga da voz” e “uma das compositoras mais cool da América.” Durante uma carreira que se estende ao longo de 40 anos, foi aclamada pelo público e pela crítica como uma enorme força criativa nas artes performativas.
No quase paradisíaco Vale do Mondego - Quinta de Santo António - a Fundação Trepadeira Azul vai promover a actividade musical que o cartaz abaixo ilustra: entrada livre e ar puro garantido.
O corpo não espera. Não. Por nós ou pelo amor. Este pousar de mãos, tão reticente e que interroga a sós a tépida secura acetinada, a que palpita por adivinhada em solitários movimentos vãos; este pousar em que não estamos nós, mas uma sêde, uma memória, tudo o que sabemos de tocar desnudo o corpo que não espera; este pousar que não conhece, nada vê, nem nada ousa temer no seu temor agudo...
Tem tanta pressa o corpo! E já passou, quando um de nós ou quando o amor chegou.
É mais fácil partir quando o silêncio transpõe a tua voz. Mais simples celebrar a tão efémera certeza de estares vivo.
A música do ar esvai-se nas sombras, tu sabes que é assim, que os dias correm céleres, não tentes perseguir o seu rasto - repara como em abril as aves são felizes.
Sê como elas: não perguntes nada, deixa que o sol responda à flor da tarde e esquece-te do mundo.
Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém. Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível: com ele se entretém e se julga intangível.
Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu, sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito, que o respirar de um só, mesmo que seja o meu, não pesa num total que tende para infinito.
Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo, nesta insignificância, gratuita e desvalida, Universo sou eu, com nebulosas e tudo.