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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Tarde

Hoje a tarde chovia

lentamente sobre a serra:

quase lágrimas de Lua.

 

Da terra

rescendia

o aroma tão belo

a chão molhado

e parece que o dia

fertilizava o semeado!

 

O cuco cantava genuinamente

e respondia-lhe a poupa

fazendo uma sinfonia, naturalmente...

No corpo começava a sentir-se a roupa

molhada não do suor

mas das gotas da Lua cheia de amor.

 

JM

Sempre distante amor e perto anseio

 
 
Sempre distante amor e perto anseio,
e triste descambar do adeus e a ida
em promessa que apenas prometida
tanto levou do ser que o fez alheio.

De outra morte morrer, opõe receio?
Morre um morto após si, já em seguida
à perda ao largo de alma tão perdida?
Mortos são os que morrem vida em meio.

São os vivos de amor, que amor esquece,
e, súbito, na morte amadurece
antes de tudo mais que vai morrendo.

Feridos numa dor que está vivendo
no arrastar em gemido e em passo tardo,
ter sido, mais que ser, terrível fardo.



Maria Ângela Alvim

Ai, quem me dera - Vinicius de Moraes

Ai quem me dera, terminasse a espera
E retornasse o canto simples e sem fim...
E ouvindo o canto se chorasse tanto
Que do mundo o pranto se estancasse enfim

 

Ai quem me dera percorrer estrelas
Ter nascido anjo e ver brotar a flor
Ai quem me dera uma manhã feliz
Ai quem me dera uma estação de dor

 

Ah! Se as pessoas se tornassem boas
E cantassem loas e tivessem paz
E pelas ruas se abraçassem nuas
E duas a duas fossem ser casais

 

Ai quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afim
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim

 

Ai quem me dera ouvir o nunca-mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E finda a espera ouvir na primavera
Alguem chamar por mim...

5º Aniversário do TMG

 O lançamento foi hoje à tarde, com o Café Concerto cheio, com algumas palavras de circunstância, algumas delas sonhadoras. Mas que é a vida sem sonho? Como lembrou alguém, o TMG também foi sonho e hoje é realidade: porque não pensar que os sonhos de hoje podem ser realidades amanhã? A frase do Dr. Álvaro Guerreiro "Foram só cinco anos e são já cinco anos!" resume bem o que se pode dizer do percurso desta criança de 5 anos, mas que já atingiu a maturidade. Falta a emancipação que é um dos desejos do seu Director e grande impulsionador desta nossa referência cultural. VALE!

23 de Abril

Dia Mundial do Livro

 

"Pode-se viver sem ler ? Quem não lê não entra no rio da história e quem lê é como o mar onde desaguam muitos rios. Comprar um livro é sempre como a primeira vez, como quem marca um encontro para receber uma confidência. Uma casa sem livros está desabitada, é uma pensão... Os livros são janelas. Hoje vou abrir uma delas. " 

Vasco Pinto de magalhães, Não há soluções, há caminhos

Quadras da minha solidão - Alda Lara

Fica longe o sol que vi,
aquecer meu corpo outrora...
Como é breve o sol daqui!
E como é longa esta hora...

Donde estou vejo partir
quem parte certo e feliz.
Só eu fico. E sonho ir,
rumo ao sol do meu país...

 

Por isso as asas dormentes,
suspiram por outro céu.
Mas ai delas! tão doentes,
não podem voar mais eu...

 

Fique comigo, preso a mim,
tudo quanto sei de cor...
Chamem-lhe nomes sem fim,
por todos responde a dor.

 

Mas dor de quê? dor de quem,
se nada tenho a sofrer?...
Saudade?...Amor?...Sei lá bem!
É qualquer coisa a morrer...

 

E assim, no pulso dos dias,
sinto chegar outro Outono...
passam as horas esguias,
levando o meu abandono...

 

[Poetisa angolana - Benguela, 1930, m. 1962]

Não, não é cansaço...



Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar.
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

                     Álvaro de Campos

Enquanto ...

Enquanto a memória se mantiver

tenho as tuas palavras

escolhidas, belas e secretas

que posso ler quando quiser:

elas têm esse perfume de mulher

que te distingue das demais;

esse aroma agreste e beirão

marca dos teus sinais;

essa emoção forte e genuína

guia dos teus passos certos;

essa paixão de menina

que te deram momentos incertos.

 

Enquanto a memória se mantiver

nunca me sentirei só,

perdido talvez, envergonhado sim,

mas isso é porque sou assim

ou me fizeram dessa maneira

que parece traiçoeira

mas apenas uma defesa

contra a emoção, sempre presa

dessa fria e absurda razão.

 

JM

 

[Ontem nas navegações vespertinas dominicais, encontrei um poema belo, emotivo e genuíno. Dele saiu este texto que não tem comparação com o original, mas que também é emotivo.]

Estou Cansado

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

 

 

Álvaro de Campos

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