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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Muerte En El Olvido

Yo sé que existo
Porque tú me imaginas.
Soy alto porque tú me crees
Alto, y limpio porque tú me miras
Con buenos ojos,
Con mirada limpia.
Tu pensamiento me hace
Inteligente, y en tu sencilla
Ternura, yo soy también sencillo
Y bondadoso.
Pero si tú me olvidas
Quedaré muerto sin que nadie
Lo sepa. Verán viva
Mi carne, pero será otro hombre
Oscuro, torpe, malo el que la habita.
Ángel González (1925 - 2008)
 

Luar de Janeiro

Luar de janeiro,

Fria claridade

Á luz delle foi talvez

Que primeiro

A bocca dum português

Disse a palavra saudade...

Luar de platina,

Luar que allumia

Mas que não aquece,

Photographia

D'alegre menina

Que ha muitos annos já... envelhecesse.

Luar de janeiro,

O gelo tornado

Luminosidade...

Rosa sem cheiro,

Amor passado

De que ficasse apenas a amizade...

Luar das nevadas,

Algido e lindo,

Janellas fechadas,

Fechadas as portas,

E elle fulgindo,

Limpido e lindo,

Como boquinhas de creanças mortas,

Na morte geladas

-E ainda sorrindo...

Luar de janeiro,

Luzente candeia

De quem não tem nada,

-Nem o calor dum brazeiro,

Nem pão duro para a ceia,

Nem uma pobre morada...

Luar dos poetas e dos miseraveis,

Como se um laço estreito nos unisse,

São similhaveis

O nosso mau destino e o que tens...

De nós, da nossa dôr, a turba - ri-se

-E a ti, sagrado luar ... ladram-te os cães!
 

Augusto Gil, Luar de Janeiro (1909)

 

[Acabei de chegar da rua, regressando do meu local de trabalho, e, ao olhar para a beleza da LUA cheia, lembraram-me os versos do poeta e não resisti a transcrevê-los na sua grafia original de há 100 anos atrás. Com tanta beleza e recordação o frio agreste da meseta fica para segundo plano!!!!]

Tuas, não minhas, ...

 

Tuas, não minhas, teço estas grinaldas,  
Que em minha fronte renovadas ponho. 
Para mim tece as tuas, 
Que as minhas eu não vejo. 
Se não pesar na vida melhor gozo 
Que o vermo-nos, vejamo-nos, e, vendo, 
Surdos conciliemos 
O insubsistente surdo. 
Coroemo-nos pois um para o outro,  
E brindemos uníssonos à sorte 
Que houver, até que chegue  
A hora do barqueiro.
 
Odes, Ricardo Reis

Manuel António Pina

AS VOZES

 

A infância vem

pé ante pé

sobe as escadas

e bate à porta

 

- Quem é?

- É a mãe morta

- São coisas passadas

- Não é ninguém

 

Tantas vozes fora de nós!

E se somos nós quem está lá fora

e bate à porta? E se nos fomos embora?

E se ficamos sós?

 

Nenhuma palavra e nenhuma lembrança

Manuel António Pina

Completas

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.

 

Poesia Reunida

Manuel António Pina

Esplanada

Naquele tempo falavas muito de pefeição
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu , eu e a discussão.

agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro de mim.

O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu .
Agora as tuas pernas são coisas inúteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.

Manuel António Pina

Tudo o que te disser

 

São feitas de palavras as palavras

e da melancolia da

ausência da prosa e da ausência da poesia.

 

É o que falta que fala

do lugar do exílio

do sentido e da falta de sentido.

 

Tudo o que te disser

tudo o que escrever

sou eu a perder-te,

 

cada palavra entre

o que em mim é corpo

e é nela sopro.

 

"Nenhuma palavra e nenhuma lembrança"

 

[Sobre a semana do ciclo do poeta, recordo o JN.(16.01.2010)]

Manuel António Pina

 

 

 

Algo mais elementar que o espaço e o tempo,

e a escuridão luminosa do Areopagita,
uma hipótese ilegível, antes do pensamento,
uma sílaba só de uma palavra não dita,

sem sentido e sem finalidade, apenas uma ocasião,
como um olho único e cego que vê
do fundo da sepultura da razão,
vaste comme la nuit et comme la clarté.

Um sonho
de uma sombra de quê?

 

Os Livros

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