De repente,
num instante fugaz,
os fogos de artifício anunciam que
o ano novo está presente e o ano velho ficou para trás.
De repente, num instante fugaz,
as taças de champagne se cruzam e o vinho francês borbulhante anuncia que o ano velho se foi e ano novo chegou.
De repente, os olhos se cruzam,
as mãos se entrelaçam e os seres humanos,
num abraço caloroso,
num só pensamento,
exprimem um só desejo e uma só aspiração: PAZ E AMOR.
De repente,
não importa a nação,
não importa a língua,
não importa a cor,
não importa a origem,
porque todos são humanos e descendentes de um só Pai,
os homens lembram-se apenas de um só verbo: AMAR.
De repente,
sem mágoa,
sem rancor,
sem ódio,
os homens cantam uma só canção,
um só hino,
o hino da liberdade.
De repente,
os homens esquecem o passado,
lembram-se do futuro venturoso,
de como é bom viver. .
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Tantas formas revestes, e nenhuma
Me satisfaz!
Vens às vezes no amor, e quase te acredito.
Mas todo o amor é um grito
Desesperado
Que apenas ouve o eco...
Peco
Por absurdo humano:
Quero não sei que cálice profano
Cheio de um vinho herético e sagrado.
Com este poema termino a homenagem que nestes dias fiz ao grande escritor José Régio e aproveito para desejar a todos os amigos e frequentadores deste "sítio" um
José Régio, pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira, é um escritor português, natural de Vila do Conde, que morreu faz hoje precisamente 40 anos. Foi um dos fundadores da revista Presença e o seu principal animador. Romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, como poeta é que, todavia, primeiramente se impôs e mais larga audiência depois atingiu: não há hoje, talvez, poeta contemporâneo que usufrua de tanto prestígio junto do grande público, muito embora esse prestígio se deva, nalguns casos, a características menos positivas da sua poesia, — tais como um tom declamatório, uma imaginística demasiado acessível e uma excessiva preocupação de tudo miudamente explicar, que se confunde, não raro, com a sua real vocação de analista e de psicólogo.
Com o livro de estreia — Poemas de Deus e do Diabo (1925) — apresentou J. R. quase todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores: os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade; a consciência da frustração de todo o amor humano; o orgulhoso recurso à solidão; a problemática da sinceridade perante os outros e perante si mesmo.
Desisti de saber qual é o Teu nome,
Se tens ou não tens nome que Te demos,
Ou que rosto é que toma, se algum tome,
Teu sopro tão além de quanto vemos.
Desisti de Te amar, por mais que a fome
Do Teu amor nos seja o mais que temos,
E empenhei-me em domar, nem que os não dome,
Meus, por Ti, passionais e vãos extremos.
Chamar-Te amante ou pai... grotesco engano
Que por demais tresanda a gosto humano!
Grotesco engano o dar-te forma! E enfim,
Desisti de Te achar no quer que seja,
De Te dar nome, rosto, culto, ou igreja...
– Tu é que não desistirás de mim!
Em cima da minha mesa,
Da minha mesa de estudo,
Mesa da minha tristeza
Em que, de noite e de dia,
Rasgo as folhas, leio tudo
Destes livros em que estudo,
E me estudo
(Eu já me estudo…)
E me estudo,
A mim,
Também,
Em cima da minha mesa,
Tenho o teu retrato, Mãe!
À cabeceira do leito,
Dentro dum lindo caixilho,
Tenho uma Nossa Senhora
Que venero a toda a hora…
Ai minha Nossa Senhora
Que se parece contigo,
E que tem, ao peito,
Um filho
(O que ainda é mais estranho)
Que se parece comigo,
Num retratinho,
Que tenho,
De menino pequenino…!
No fundo da minha mala,
Mesmo lá no fundo, a um canto,
Não lhes vá tocar alguém,
(quem as lesse, o que entendia?
Só riria
Do que nos comove a nós…)
Já tenho três maços, Mãe,
Das cartas que tu me escreves
Desde que saí de casa…
Três maços – e nada leves! –
Atados com um retrós…
Se não fora eu ter-te assim,
A toda a hora,
Sempre à beirinha de mim,
(Sei agora
Que isto de a gente ser grande
Não é como se nos pinta…)
Mãe!, já teria morrido,
Ou já teria fugido,
Ou já teria bebido
Algum tinteiro de tinta!