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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

PERFEITO VAZIO

Aqui estou eu
Sou uma folha de papel vazia
Pequenas coisas
Pequenos pontos
Vão me mostrando o caminho

 

Às vezes aqui faz frio
Às vezes eu fico imóvel
Pairando no Vazio
As vezes aqui faz frio

 

Sei que me esperas
Não sei se vou lá chegar
Tenho coisas p'ra fazer
Tenho vidas para a acompanhar

Às vezes lá faz mais frio


Às vezes eu fico imóvel
Pairando no vazio
No perfeito vazio
Às vezes lá faz mais frio

 

(lá fora faz tanto frio)

 

Bem-vindos a minha casa
Ao meu lar mais profundo
De onde saio por vezes
Para conquistar o mundo

 

Às vezes tu tens mais frio
Às vezes eu fico imóvel
Pairando no vazio
No perfeito vazio
Às vezes lá faz mais frio
No teu peito vazio

 

Xutos e pontapés

 

http://www.youtube.com/watch?v=AHiaQ-bJBkY&feature=player_embedded

 

[Não é nenhum espanto de letra, mas a música tem o dom de criar nostalgia(!) e acima de tudo, às vezes, e precisamente um perfeito vazio: "às vezes lá faz mais frio / no meu peito vazio"]

 

outonais

 

 

Os dedos entreabertos

deixam passar a luz de ser;

coam o tempo dos raios de sol,

outonais e desmaiados,

nas folhas amarelecidas

ou nos galhos quase nus,

- ossos negros do parecer;

pintores da decadência,

pensamentos de pré-inverno

reflectem alguma decência,

nos quadros do inferno.

 

Cidade soprada a chuviscos

e lavada em ventanias:

assinam violentos rabiscos,

apagam mágoas e alegrias.

 

05.11.2009

JM

 

Outono

 

    Entre o céu azul, com algumas nuvens, e os ramos já despidos, os restos das folhas coloridas prenunciam o inverno iminente.

 

 

o som - Sara F. Costa

o som dos espelhos
alaga as ruas
que se arrastam pelo corpo
entre o suor ácido das formas.
chove
e vejo a língua do relógio
misturar-se com a lama.
a cidade arde
e a minha ressaca
é uma lareira
a pingar pelos dedos.

Uma Devastação Inteligente
 

[Sara F. Costa nasceu em1987 em Oliveira de Azemeis.]

 

DIES IRAE (II)

4 - Recordare

Recordare, Jesu pie,                 Lembra-te, ó Jesus piedoso,

Quod sum causa tuae viae,      Que sou a causa da tua caminhada,

Ne me perdas illa die.              E não me condenes naquele dia.

 

Quaerens me, sedisti lassus     Procurando-me, sentaste-te cansado

Redemisti Crucem passus       E sofrendo redimiste-me na cruz

Tantus labor non sit cassus.    Que tanto trabalho não seja em vão.

 

Juste judex ultionis,                Juiz  justamente castigador,

Donum fac remissionis           Concede-me o dom da remissão

Ante diem rationis                  Antes do dia da razão

 

Ingemisco tamquam reus        Choro e gemo como um réu

Culpa rubet vultus meus         A culpa cora as minhas faces

Supplicanti parce, Deus.         Poupai este suplicante, ó Deus.

 

Qui Mariam absolvisti,              Tu, que absolveste a Maria,

Et latronem exaudisti                 E ouviste o ladrão,

Mihi quoque spem dedisti.        Também me deste esperança.

 

Preces meae non sunt dignae     Minhas preces são indignas

Sed tu bonus fac benigne,          Mas tu, bondoso, sê benigno,

Ne perenni cremer igne.            Para que não abrase no fogo eterno.

 

Inter oves locum praesta            Dá-me lugar entre as ovelhas

Et ab haedis me sequestra          E afasta-me dos bodes

Statuens in parte dextra.            Sentando-me à Tua direita.


5 - Confutatis

Confutatis maledictis                Condenados os malditos

Flammis acribus addictis          Lançados às chamas devoradoras

Voca me cum benedictis          Chama-me juntamente com os benditos

 

Oro supplex et acclinis             Suplicante e prostrado,rogo

Cor contritum quasi cinis         Com o coração contrito, quase em cinzas

Gere curam mei finis.               Toma conta do meu fim.


6 - Lacrimosa

Lacrimosa dies illa                    Dia de lágrimas aquele

Qua resurget ex favilla              Em que os ressurgidos das cinzas

Judicandus homo reus.              Serão julgados como réus.

 

Huic ergo parce, Deus              A este poupa, ó Deus

Pie Jesu Domine                      Piedoso Senhor Jesus

Dona eis requiem, Amen.        Dá-lhes repouso. Amén.

 

[*Dies irae é um hino do século XIII, escrito talvez por Tomás de Celano e musicado, entre outros, por Mozart. Tentativa de tradução minha.]

 

DIES IRAE (I)

SEQUENTIA

 

1 – Dies irae

Dies irae, dies illa                    Dia de ira, aquele dia

Solvet saeclum in favilla           Em que o mundo se desfará em cinzas

Teste David cum Sibylla          Assim testemunham David e Sibila

Quantus tremor est futurus,      Quanto temor sobrevirá,

Quando judex est venturus,      Quando o Juiz chegar

Cuncta stricte discussurus.        Julgando tudo com rigor.


2 - Tuba mirum

Tuba mirum spargens sonum      A admirável trombeta difundindo o som

Per sepulcra regionum,              Pela região dos sepulcros,

Coget omnes ante thronum.       Juntará todos diante do trono.

 

Mors stupebit et natura              A morte espantar-se-á, e  a natureza

Cum resurget creatura,              Com as criaturas ressurgirá,

Judicanti responsura.                 Para responder ao juízo.

 

Liber scriptus proferetur,           Um livro será trazido,

In quo totum continetur,             Em que tudo está contido,

Unde mundus judicetur.             E por ele o mundo será julgado.

 

Judex ergo cum sedebit,            Logo que o juiz se sentar,

Quidquid latet apparebit:           O escondido, aparecerá:

Nil inultum remanebit.                Nada ficará impune.

 

Quid sum miser tunc dicturus?   O que é que  eu, miserável, direi então?

Quem patronum rogaturus,        A quem pedirei protecção,

Cum vix justus sit seccurus?      Se só o justo estará seguro?


3 - Rex tremendae

Rex tremendae majestatis,         Rei, de tremenda majestade,

Qui salvandos salvas gratis,       Que ao salvar, salvas gratuitamente,

Salva me, fons pietatis.              Salva-me a mim, fonte de piedade.

 

 

[Dies irae é um hino do século XIII, escrito talvez por Tomás de Celano e musicado, entre outros, por Mozart. Tentativa de tradução minha.]

 

Os mortos! Que prodigiosamente - Álvaro de Campos

Os mortos! Que prodigiosamente

E com que horrível reminiscência

Vivem na nossa recordação deles!

 

 

A minha velha tia na sua antiga casa, no campo

Onde eu era feliz e tranquilo e a criança que eu era...

Penso nisso e uma saudade toda raiva repassa-me...

E, além disso, penso, ela já morreu há anos...

Tudo isto, vendo bem, é misterioso como um lusco-fusco...

Penso, e todo o enigma do universo repassa-me.

Revejo aquilo na imaginação com tal realidade

Que depois, quando penso que aquilo acabou

E que ela está morta,

Encaro com o mistério mais palidamente

Vejo-o mais escuro, mais impiedoso, mais longínquo

E nem choro, de atento que estou ao terror da vida...

 

 

Como eu desejaria ser parte da noite,

Parte sem contornos da noite, um lugar qualquer no espaço

Não propriamente um lugar, por não ter posição nem contornos,

Mas noite na noite, uma parte dela, pertencendo-lhe por todos os lados

E unido e afastado companheiro da minha ausência de existir...

 

 

Aquilo era tão real, tão vivo, tão actual!...

Quando em mim o revejo, está outra vez vivo em mim...

Pasmo de que coisa tão real pudesse passar...

E não existir hoje e hoje ser tão diverso...

Corre para o mar a água do rio, abandona a minha vista,

Chega ao mar e perde-se no mar,

Mas a água perde-se de si-própria?

Uma coisa deixa de ser o que é absolutamente

Ou pecam de vida os nossos olhos e os nossos ouvidos

E a nossa consciência exterior do Universo?

Onde está hoje o meu passado?

Em que baú o guardou Deus que não sei dar com ele?

Quando o revejo em mim, onde é que o estou vendo?

Tudo isto deve ter um sentido — talvez muito simples —

Mas por mais que pense não atino com ele.

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