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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

fugaCIDADEs

A cidade aninha-se em degraus:

montanha abaixo vai descendo

desde os píncaros mais altos;

as casas abrigam-se do Inverno

aconchegando-se umas às outras

a aquecerem-se friorentas.

 

A cidade escalona-se monte abaixo

forte, farta, fiel e fria

e na sua formosura acalenta

frios agrestes da “Meseta”

e derrete os gelos forasteiros.

 

JM

"O beiral"-fugaCIDADEs

             “Beiral”

                                                           (A C. Verde)

Ao passar hoje, naquela rua,

que já milhentas vezes percorrera,

cheirou-me algo, que nunca vira,

senti o que nunca  soubera.

 

Num canto esquecido e tímido,

forte na solidez da construção,

um beiral de ninhos, erguido,

com requintes de insinuação.

 

Um após outro encarreirados,

- qual deles se mostrava mais seguro! -

feitos com lama por enamorados,

presente com olhos de futuro!

 

Com que amor, com que paixão,

foram lineados até ao pormenor!

(Quanto mais acelera o coração

mais perfeita a obra do amor!)

 

Que vai e vem! Que chilreada alegre!

A pensar fui seguindo meu caminho:

que contraste entre o beirado do casebre

e o mundo, ausente de carinho!

 

J M

 

fugaCIDADEs

Sabendo de antemão que há estrelas no céu

Pedi aos cometas que fossem deixando rasto

Para o resto do tempo

Mas como a humanidade se esgrime ao contratempo

Regurgitei os pensamentos de anteontem

Mas sem véu

Porque afinal a vida é um filme sem meios de realização

Onde os actores se sentem perdidos

Estragados humilhados e ofendidos

Sem temor a qualquer razão ou perdão.

 

 

                                                              JM

 

 

 

Retoma

 

 

 

   Agosto foge apressado nos últimos dias: já fugiu o iodo das praias e volta abrasador o quente ar da Serra. Recuperaram-se energias e, agora, há que retomar o esforço diário e esperar que Setembro refresque!!! Os barcos vogando ao longe arrastam com eles a esperança de mais uns dias à beira-mar e lembram que o prosaísmo do tempo é mais forte que os sonhos do Verão. Sendo assim resta-nos regressar à poesia e ... ao TEATRO. Bom regresso!

 

 

 

AOS QUE BUSCAM O CAMINHO - N.G.

A ti,

Oriundo

Seja donde for

De qualquer língua ou cor

Vivendo neste mundo;

A ti,

Que sentes a dor

E sofres em cada dia,

À procura do caminho

Recebe a mensagem do meu carinho

E a homenagem

De funda simpatia.

Acompanho-te

Nas noites de insónia

Quando, a horas mortas,

Os outros dormem

Sossegados e tranquilos

Em seu leito

E tu, insatisfeito,

Inquieto

Vagueias pelo mundo das ideias

Ou te agitas prisioneiro

Entre invisíveis cadeias;

Acompanho-te

Quando nos ruídos e folguedos,

Outros deixam ébrios os sentidos

Na volúpia do som e da cor

E tu te manténs pensativo

Perscrutando os segredos

De cada existência,

Da tua existência,

De todo alheio

Ao que se passa em derredor,

Atribulado, impaciente,

Interrogando as coordenadas

De todos os horizontes;

A ti,

Que consideras a vida

Coisa séria

Mais do que dois palmos de matéria;

A ti,

Para quem viver

É mais do que comer

Dormir

E depois... morrer!

A ti,

Estranho peregrino

Eu direi :

— «És o símbolo da Humanidade

A caminho do destino».

...........................

A água para matar a sede

Está na fonte

Para lá do tempo

Para lá do horizonte.

 

[N. G. é um pseudónimo(!) utilizado pelo Padre António de Oliveira Crespo, professor de Latim e Literatura no Seminário da Guarda e também no Liceu da Guarda. Nasceu em Meimoa, Penamacor e faleceu a 13 de Agosto passado. Foi um padre e um homem simples e humilde, apesar de ter muitos conhecimentos a nível literário; as aulas cativavam pela emoção que dava aos textos e pelo sentimento com que os transmitia. Foi meu professor das duas cadeiras no Seminário, por isso aqui lhe presto esta singela homenagem na transcrição deste poema retirado de um opúsculo da Diocese da Guarda.]

DR. BONITO PERFEITO

Soube agora mesmo, através do Café Mondego, a notícia da morte deste grande HOMEM da Guarda. Era uma pessoa de enorme estatura moral e de imenso saber. Tive o privilégio de contactar com ele nos últimos anos que passou na cidade e a minha admiração que já vinha de trás cresceu consideravelmente porque se respeitava e respeitava os outros. A obra que nos legou, escrita e de exemplo, falam por si. ( Ver mais aqui). 

fugaCIDADEs

A noite cai pálida e transparente

por detrás de uma vidraça de loucuras,

onde os anjos brincam de crianças

e os homens de tristezas e venturas.

 

O homem das estrelas cai oblíquo

no paço das canções por inventar

e nas ruas da cidade o orvalho

cai por entre as gotas de luar.

 

O sonho das crianças surge ingente

no ar aberto da madrugada

e sente-se pairar um quase - tudo

onde a satisfação surge realizada.

 

Um novo dia, nova Primavera

assoma forte no alvorecer

e se as promessas não forem vãs

o mundo vai voltar a amanhecer.

 

J.M.

fugaCIDADEs

A minha alma é um bulício,

 

onde as planícies da tarde, desaguam

os sonhos do entardecer;

 

onde a vida se esvai no crepúsculo

e sobra pouco para o amanhecer;

 

onde a lua perde os seus raios de prata

e ganha novo rejuvenescer;

 

onde o sol perde a consistência

e deixa o dourado se desvanecer;

 

onde a essência da vida se dana

mas os sonhos ganham alento de ser...

J.M.