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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

poema

Embalado nas brisas estivais
e nas modorras de um Julho esquisito
luto contra a sonolências de uma tarde quente
amenizada pela brisa fresca do nordeste.
O planalto estende-se assolapado
à torreira do mormaço pós meio-dia
e as árvores gritam ensimesmadas
pela gota de água perdida.
Esparramados pelas sombras das raras plantas
os gados enganam-se na miragem
de uma frescura aparente saída da terra
avidamente sequiosa do licor cristalino.
Só o bicho homem na sua racionalidade
ilude pelo sumo ou pela cerveja
o calor tórrido de um Verão obsidiante.

 

Praça Velha nº 24

 

...

A Imaculada Conceição por El Greco

Imaculada Conceição - El Greco

 

 

A VIRGEM DA GALILEIA
 
Era uma vez uma virgem
Em Nazaré, branca aldeia,
Que tinha um noivo da origem
Dos velhos reis da Judeia.
 
À porta do seu casal
Crescia a flor do espinheiro,
Como um emblema primeiro
Do diadema real.
 
De rastos seus pés beijavam
As plantas, como às rainhas.
No seu telhado adejavam
As asas das andorinhas.
 
Consolar a alheia mágoa
Ninguém sabia tão bem!
Era mais pura que a água
Da cisterna de Belém.
 
Havia anseios contidos,
Como vozes de quem roga,
Quando ía de olhos descidos,
Ao sábado, à sinagoga.
 
Vinham as pombas, em bando,
Sobre as suas mãos pousar,
Quando fiava, cantando,
Sentada à porta do lar.
 
Dizia a branca açucena,
Para a flor do rosmaninho:
- Que casta virgem morena
Toda vestida de linho!
 
O mar que se ri da sonda
Dizia com tom estranho:
- Quem me dera uma só onda
Do seu cabelo castanho!
 
Toda a tarde o rouxinol
Cantava à flor do espinheiro:
- Que lindo rosto trigueiro!
Que cantos cheios de sol!
 
Os marinheiros as barcas
Paravam, como em delírio.
Era o mais místico lírio
Do bordão dos Patriarcas!
 
Ora, uma vez que fiava,
Cantando ao pé do espinheiro,
À porta do lar pousava
Um singular passageiro.
 
Voavam pombas nos cumes,
O Sol descia a ladeira.
No ar boiavam perfumes
Mìsticos de laranjeira.
 
O rosto do mensageiro,
Plácido e resplandecente,
Brilhava como um guerreiro,
E como o Sol no Oriente.
 
Então, com voz grave, cheia
De uma inefável poesia,
À Virgem de Galileia
Saudou-a: «Ave-Maria!
 
Ave, ó lírio impoluto!
Cheia de graça ante os Céus.
Bento no ventre é teu fruto.
Convosco é o Senhor Deus!»
 
Mas ela, com humildade,
Como a rasteirinha erva:
- «Faça-se a Vossa vontade,
Senhor, eis a Vossa serva!»
 
Então as rolas voaram,
Deu graças o Oceano vário.
- Mas, sobre as hastes, choraram
As violetas do Calvário.
Gomes Leal, História de Jesus
 

Torga - Claridade

 

(http://omarmequer.blogspot.com/2008_05_01_archive.html)

 

Clareou.

Vieram pombas e sol,
E de mistura com o sonho
Posou tudo num telhado...
Eu destas grades a ver
Desconfiado

Depois
Uma rapariga loura
(era loura)
num mirante
estendeu roupa num cordel:
roupa branca, remendada
que se via
que era de gente lavada,
e só por isso aquecia...

E não foi preciso mais:
Logo a alma
Clareou por sua vez.
Logo o coração parado
Bateu a grande pancada
Da vida com sol e pombas
E roupa branca, lavada.

Frio

 

O frio abateu-se sobre a cidade
Sentou-se nos bancos do jardim
Desceu as sinuosas ruas
Subiu as calçadas
E, cansado, esparramou-se
A todo o comprido
Aos pés de D. Sancho
Admirando, estupefacto,
A alvura da Praça Velha.
                                      José Monteiro (Dez. 05)

CIDADE DA GUARDA

 

A cidade aninha-se em degraus:
montanha abaixo vai descendo
desde os píncaros mais altos;
as casas abrigam-se do Inverno
aconchegando-se umas às outras
a aquecerem-se friorentas.
 
A cidade escalona-se monte abaixo
forte, farta, fiel e fria
e na sua formosura acalenta
frios agrestes da “Meseta”
e derrete os gelos forasteiros.  
 
 
 
 
 
José Monteiro,"Praça Velha", nº 24  

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