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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Al Berto

O Pequeno Demiurgo

Escrevo
barco e uma quilha fende o vastíssimo mar
e as árvores crescem dos espaços enevoados
entre olhar e olhar movem-se
animais presos à terra com suas plumagens de ferro
e de orvalho de ouro quando a lua se eclipsa
comunicando-lhes o cio e a nómada alegria de viver

penso outono ou inverno
e o lume resinoso dos pinhais escorre sobre o rosto
sobre o corpo em tímidos gestos
eis o tempo
do capricórnio reduzido ao esconderijo tatuado
na asa mineral da ave em pleno voo e digo nuvens
relâmpago, erva, águas
homem
movimento do susto, oceanos, sal, exaustos corpos
transumantes paixões digo
e surge , irrompe, escorre, ergue-se, move-se, vive
morre
mas não julguem ser trabalho simples nomear
arrumar e desordenar o mundo

para que não se apague esta trémula escrita
preciso do sonho e do pesadelo
da proximidade vertiginosa dos espelhos e
de pernoitar no fundo de mim com as mãos sujas
pelo árduo trabalho de construir os gestos exactos
da alegria que por descuido deus abandonou ao cansaço
no fim do sétimo dia.

 

 

[aqui na Guarda, Beira Serra (da Estrela)]

Ruy Belo (2)

Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?

Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono

Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha

qualquer. Mas eu que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha

Ruy Belo

Digam que foi mentira, que não sou ninguém,
que atravesso apenas ruas da cidade abandonada
fechada como boca onde não encontro nada:
não encontro respostas para tudo o que pergunto nem
na verdade pergunto coisas por aí além
Eu não vivi ali em tempo algum

 

(1933 - 1978)

 

Depois de uns dias de ausência e de um mini verão outonal, já que a chuva regressa, volto a Ruy Belo e à dura realidade da vida. Mescla de desencanto e solidão temperada com um débil gesto de esperança em que os dias são grisalhos e de farta cabeleira de neveoeiro, vivamos a hora e saboreemos o que a vida nos dá!

profetas da desgraça

sentados no alto da serra

olhos fitos em castela

esperamos...

ensimesmamos...

o quê?

as invasõs espanholas

as multidões, as olas,

os programas de tv,

(para consumir no wc)

o regresso dos emigrantes

chegados no sud-express

uns ricos outros penantes

tudo sempre em excess...

jovens-velhos desta Guarda

ensimesmamos

com auto-estima em barda

esmolando à porta da Sé

(ah pois é!)

esperamos

postados à janela

os ventos de castela

sentados no alto da serra.

 

20.10.2008 JM

...

Já divulguei por aqui vários poemas deste nosso autor, com o objectivo de dar a conhecer outras facetas da sua poesia, porque praticamente só é conhecido pela Balada da Neve e pouco mais. Hoje volto à sua obra, por causa do Outono que se anuncia cada vez mais real e porque me lembrei dum seu poema, dos mais conhecidos, eivado de simpatia para com os sofredores, dentro da linha da piedade cristã mais franciscana e mais terna. O poema vale também pela harmonia e pela musicalidade das palavras.

 

ORAÇÃO
Outono. Morre o dia.
Cai sobre as coisas plácidas e calmas
Um véu de sombra e melancolia
Que dulcifica e embrandece as almas.
Todo o meu ser se invade
De enervantes e místicas doçuras,
De mansidão, de paz, de suavidade,
De sentimentos bons, de ideias puras.
No coração perpassa
Uma piedade e compaixão serena
Por todos os validos da desgraça,
Por tudo quanto sofre e quanto pena:
Pelos pequenos entes
Sem abrigo, sem lar e sem carinho,
Que são como avezinhas inocentes
Postas por mão cruel fora do ninho;
Pelos encarcerados
Que lançam, dentre as grades da cadeia,
Ao ar, à luz, aos montes afastados
A vista aflita e de amarguras cheia;
Pelos que vão pedindo
De porta em porta o pão de cada dia,
Tristes, que sempre a morte olham sorrindo
Porque ela unicamente os alivia;
Pelos que andam distantes
Entre cruezas, fomes e perigos,
Sentindo a nostalgia lancinante
Da pátria, da família, dos amigos;
E numa emoção crente,
Numa fé viva, forte e benfazeja,
A Deus suplico fervorosamente
Que os guie, que os socorra, que os proteja.
 
Musa Cérula

 

Anjo da guarda! - VOAR

  Ouvi-a, de tarde, no carro e lembrei-me do Doutor Alberto Dinis da Fonseca! E lembrei-me também das vezes que sonhamos e não nos deixam concretizar (ou não sabemos!)... E a dor que me acompanhou nos últimos tempos e que "me vai levar com ela", ou melhor, tenho de ir com ela - coisas da idade!!!

 

Eu queria ser astronauta

o meu país não deixou
Depois quis ir jogar à bola
a minha mãe não deixou
Tive vontade de voltar à escola
mas o doutor não deixou
Fechei os olhos e tentei dormir
aquela dor não deixou.

Ó meu anjo da guarda,
faz-me voltar a sonhar
faz-me ser astronauta ...e voar!

O meu quarto é o meu mundo
o ecrã é a janela
Nao choro em frente à minha mãe
eu que gosto tanto dela,
Mas esta dor não quer desaparecer
vai-me levar com ela.

Ó meu anjo da guarda,
faz-me voltar a sonhar
faz-me ser astronauta....e voar!

Acordar, meter os pés no chão
Levantar e dar o que tens para dar
Voltar a rir, voltar a andar
Voltar Voltar
Voltarei
Voltarei
Voltarei
Voltarei

 

http://xutos-e-pontapes.letrasdasmusicas.com.br/voar-letra.html

 

Ouvir a música: http://www.youtube.com/watch?v=32gW9v4W2dg&NR=1

...

 

 

O Outono chega lento e atento às cores dum céu pálido, onde o azul desmaia em policromias de tons incríveis e belos. Pintor exímio, do verde faz milagres de transfigurações e tudo relaxa na natureza. Fica, no entanto, a dor da perda do azul saudável do Verão.

 

 

 

Angel Campos Pampano

Concededme siquiera este refugio, este lugar al sol donde 

escribir sin culpa, libremente, donde cada palabra sea un

acto de amor que se hace piedra, flor del sueño, sed de

nubes. Siquiera este refugio, esta orilla secreta, donde todo

es más fácil.
 

Concedei-me somente este refúgio, este lugar ao sol onde

possa escrever sem culpa, livremente, onde cada palvra seja um

acto de amor que se faz pedra, flor do sonho, sede de

nuvens. Somente este refúgio, esta margem secreta, onde tudo

é mais fácil.

 

(Tradução minha, quase à letra; o poético fica no castelhano. O autor foi agraciado com o Prémio Eduardo Lourenço do nosso CEI.)

"Para sempre... "

 

 

    Foi há um mês, precisamente, que aconteceu o lançamento do "livrinho" daquelas meninas que, em grupo, decidiram escrever coisas e que depois as haviam de publicar em livro, contra ventos e marés. Irreverentes, persistentes, moveram cantos, moveram montanhas que pareciam intransponíveis e mostraram que serão capaz de fazer aquilo a que meterem ombros. Hoje, lá andam por Coimbra e Lisboa, com certeza carregando o peso dos livros e das aprendizagens que amanhã farão delas membros activos da sociedade e que de certeza vão tentar melhorar. Nunca até agora me referi aqui a esse trabalho porque não queria ser emotivo nas minhas palavras, nem queria ser acusado de ser parcial nas apreciações que fizesse. À distância destes dias, resolvi referir-me ao livro porque, apesar do esquecimento em que parece ter caído, vale mesmo a pena ser lido. Pode não ter nada de novo em termos de conteúdo - por acaso até tem!, mas está escrito em bom português e tem uma construção diferente da que é habitual nas narrativas. Tem uma trama que começa nas primeiras páginas e que vai prendendo o leitor à medida que a história avança. Não é um "best-seller", mas é uma pedrada no charco da cidade em que vivemos. E, felizmente, foi editado para que algumas pessoas, ao vê-lo, pensem que podiam ter feito mais e ter apoiado mais as autoras. Também para que algumas pessoas se consciencializem que, se quisermos e dermos um empurrão discreto, os jovens são capazes de construir coisas muito interessantes. E os louros do trabalho são deles e não nossos: elas são testemunhas de que sempre quis ficar no meu lugar e se não fossem os pedidos insistentes delas nunca teria ido ao palco. O trabalho do professor deve ficar nos bastidores e dar as luzes da ribalta ao aluno porque ele é que vai julgar o seu trabalho. Tenho orgulho nelas e mágoas que vou engolindo porque o nosso trabalho nem sempre é reconhecido como deveria ser. Se calhar as minhas palavras revelam pouca auto-estima - tenho de pedir umas doses ao Américo! - mas numa instituição em que se elabora um trabalho destes e só duas ou três pessoas chegarem à nossa beira para nos encorajarem a continuar a trabalhar nestes moldes e reconhecerem o mérito delas é desalentador.

   Desculpai-me - se acaso estas palavras forem ter convosco - e "vingai" na vida continuando a escrever como vós sabeis. Sinceramente, espero um dia receber um convite para o lançamento do próximo livro de cada uma de vós! Nesse dia mostrareis que nem sempre os "doutoramentos" são publicados, ... porque há humildes textos que são mais importantes na vida. VALETE!

 

A Aranha



A ARANHA do meu destino
Faz teias de eu não pensar.
Não soube o que era em menino,
Sou adulto sem o achar.
É que a teia, de espalhada
Apanhou-me o querer ir...
Sou uma vida baloiçada
Na consciência de existir.
A aranha da minha sorte
Faz teia de muro a muro...
Sou presa do meu suporte.

 

Fernando Pessoa

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