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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Mar

 

(http://lugaronde.blogspot.com/)
 

Mar


Mar!
E é um aberto poema que ressoa
No búzio do areal...
Ah, quem pudesse ouvi-lo sem mais versos!
Assim ouro,
 Assim azul,
 Assim salgado...
 Milagre horizontal
 Universal,
 Numa só palavra realizado.

 

Diário XI, Miguel Torga

 

[O já habitual passeio "turístico" a beber areia, ouvir o barulho obscuro do mar, o sal incorrupto da água, enfim, o pseudo-descanso estival.]

Camões 2008 - João Ubaldo Ribeiro

O vagabundo de Lisboa

João Ubaldo Ribeiro

Subindo aqui a avenida que dá para os fundos de minha casa, cumprimentando os passantes, parando para ver os meninos jogando bola no parque e assobiando uma musiquinha cujo nome não sei mas que, nesta manhã, não me sai da cabeça, detenho-me na Pastelaria Brasil-América, para comprar uma caixa de fósforos. Não sou muito chegado a essa pastelaria — cuja única qualidade (e, assim mesmo, questionável) é ser perto aqui de casa — porque as iscas que nela servem são de baixa qualidade e há um irmãozinho lusitano que nela trabalha que gosta de me gozar. Mas esqueci o isqueiro em casa, tenho de comprar fósforos. Encontro o mesmo irmãozinho, ele me diz o preço, eu me confundo todo com as moedas, ele me goza outra vez. "Um dia eu ainda lhe pego", penso eu, fingindo que não ligo, mas muito mal-intencionado intimamente. E prossigo avenida Estados Unidos acima, para pegar o metrô, que aqui se chama metro. O dia não está nem quente nem frio, há um belo sol, as sacadas dos apartamentos estão todas floridas e vou ao Rossio em missão de vagabundagem. Acho-me um cidadão lisboeta e me vejo tomado de um certo sentimento de orgulho. (...) Pois cá tenho vivido muito em Portugal. Não propriamente vendo coisas, embora haja, é claro, coisas para ver, mas sentindo. Não propriamente aprendendo, mas me acrescentando de tantas formas sutis e fortes, por tantas vias antes insuspeitadas. E então, sobraçando minhas ervas, meus livros, meus postais velhos, meu cortador de vidro, desço de novo ao Rossio. Vou caminhar pela avenida da Liberdade, em ponderado passeio para o Parque Meyer. O dia fica cada vez mais luminoso, só consigo pensar em coisas boas. A velha estação dos comboios parece uma catedral, a avenida se abre como se fosse haver uma parada, eu adoro Lisboa. E, se você não aproveitar a primeira chance que tiver para vir curtir esta minha cidade, você é bobo.

 

(Retirado de: http://www.releituras.com/joaoubaldo_vagabundo.asp)

TERRA

 


Onde ficava o mundo?
Só pinhais, matos, charnecas e milho
para a fome dos olhos.
Para lá da serra, o azul de outra serra e outra serra ainda.
E o mar? E a cidade? E os Rios?
Caminhos de pedra, sulcados, curtos e estreitos,
onde chiam carros de bois e há poças de chuva.
Onde ficava o mundo?
Nem a alma sabia julgar.
Mas vieram engenheiros e máquinas estranhas.
Em cada dia o povo abraçava outro povo.
E hoje a terra é livre e fácil como o céu das aves:
a estrada branca e menina é uma serpente ondulada
e dela nasce a sede da fuga como as águas dum rio.

 

Fernando Namora

Trova do vento que passa


Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de sevidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

                 Manuel Alegre

 

http://br.youtube.com/watch?v=xyN1A2IOtbA&feature=related

Mário Cesariny


Homenagem a Cesário Verde

Aos pés do burro que olhava para o mar
depois do bolo-rei comeram-se sardinhas
com as sardinhas um pouco de goiabada
e depois do pudim, para um último cigarro
um feijão branco em sangue e rolas cozidas

Pouco depois cada qual procurou
com cada um o poente que convinha.
Chegou a noite e foram todos para casa ler Cesário Verde
que ainda há passeios ainda há poetas cá no país