esquecido em qualquer fundo da algibeira. Mas esse relógio não marca o tempo inútil. São restos de tabaco e de ternura rápida. É um arco-íris de sombra,quente e trémulo. É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.
Essa mulher, a doce melancolia dos seus ombros, canta. O rumor da sua voz entra-me pelo sono, é muito antigo. Traz o cheiro acidulado da minha infância chapinhada ao sol. O corpo leve quase de vidro.
1º - meu PAI* faria hoje 93 anos se vivesse, aliás ainda vive em nós, por isso para ele a minha recordação eternamente grata;
2º - porque é o dia da MULHER, esses seres tão mais fortes que os homens e sem os quais nos sentiríamos sempre sozinhos: a nossa Mâe é uma mulher!:
3º - porque finalmente a classe a que pertenço mostrou a unidade que nunca tinha tido antes - só fica a mágoa de não ter estado também a mostrar a minha indignação contra as imposições indignificantes, mas ... o povo é sereno!;
4º - só hoje ao passar por aqui notei que as visitas contabilizadas tinham ultrapassado as mil: sinto-me lisonjeado. Criei este espaço para homenagear Torga e afinal ainda há leitores que continuam a visitar este recanto. OBRIGADO a todos.
Continuando com Camilo Pessanha e porque esta primavera antecipada fez florir as rosas, apeteceu-me recordar este soneto que tem uma harmonia espantosa e onde o simbolismo é nitidamente visível. A neve é que continua arredia da nossa cidade. Virá em Abril?
Floriram por engano as rosas bravas No Inverno: veio o vento desfolhá-las... Em que cismas, meu bem? Porque me calas As vozes com que há pouco me enganavas?
Castelos doidos! Tão cedo caístes!... Onde vamos, alheio o pensamento, De mãos dadas? Teus olhos, que um momento Perscrutaram nos meus, como vão tristes!
E sobre nós cai nupcial a neve, Surda, em triunfo, pétalas, de leve Juncando o chão, na acrópole de gelos...
Em redor do teu vulto é como um véu! Quem as esparze – quanta flor! – do céu, Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?
Os simbolistas portugueses - especialmente Pessanha - atraem pela musicalidade que conseguem imprimir aos seus versos. Este poema é um dos que permitem "apanhar" essa musicalidade e especialmente nos transportam para o mundo do onírico. Vale a pena saboreá-lo.
Ao Longe os Barcos de Flores
(A Ovídio de Alpoim)
Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva, grácil, na escuridão tranqüila, - Perdida voz que de entre as mais se exila, - Festões de som dissimulando a hora
Na orgia, ao longe, que em clarões cintila E os lábios, branca, do carmim desflora... Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva, grácil, na escuridão tranquila.
E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora, Cauta, detém. Só modulada trila A flauta flébil... Quem há-de remi-la? Quem sabe a dor que sem razão deplora?