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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

ESPERANÇA

Coimbra, 31 de Dezembro de 1989.

ESPERANÇA

O poema quer nascer das trevas.

Está nas Palavras, e não as sei.

É como um filho que não tem caminho

No ventre da mãe

Dói,

Dói,

Mas a negar-se teimosamente

A todos os acenos libertadores

Do desespero dilacerado.

No silêncio cansado

E paciente

Canta um galo vidente.

E diz que cada dia

Que anuncia

É sempre um dia novo

De renovo

E poesia.

 

Torga, Diário

BOM ANO DE 2008: QUE SEJA DE POESIA, PAZ E PROSPERIDADE!

BORRALHO

S. Martinho de Anta, 30 de Dezembro de 1960.

BORRALHO

Vou aquecendo os sonhos à lareira,

Sem reparar nas cinzas do brasido.

Ou olho-as distraído,

Na baça inconsciência

De que são a verónica da morte.

Sentado na cadeira habitual,

Diligência irreal

Que atravessa, morosa, a noite fria,

De mim próprio alheado,

Dou concreto calor à fantasia

Como se o lume fosse imaginado.

 

Torga, Diário

INTENÇÃO

Coimbra, 29 de Dezembro de 1971.

INTENÇÃO

Leio-te alguns poemas.

Timidamente, vou abrindo os versos

No silêncio da noite,

Como se confessasse

Culpas imperdoáveis

A um severo juiz

Que nenhum réu ilude.

Tento aquecê-los

E reconhecê-los

Na tua juventude...

 

Torga, Diário

Terra amada!

Monforte do Alentejo, 28 de Dezembro de 1968.

ÊXTASE

Terra, minha medida!

Com que ternura te encontro

Sempre inteira nos sentidos!

Sempre redonda nos olhos,

Sempre segura nos pés,

Sempre a cheirar a fermento!

Terra amada!

Em qualquer sítio e momento,

Enrugada ou descampada,

Nunca te desconheci!

Berço do meu sofrimento,

Cabes em mim, e eu em ti!

 

Torga, Diário

Música especial:

http://www.youtube.com/watch?v=OpExb2hCYTs&feature=related

SÍSIFO


Coimbra, 27 de Dezembro de 1977.

SÍSIFO

Recomeça...

Se puderes,

Sem angústia e sem pressa.

E os passos que deres,

Nesse caminho duro

Do futuro,

Dá-os em liberdade.

Enquanto não alcances

Não descanses.

De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,

Vai colhendo

Ilusões sucessivas no pomar.

Sempre a sonhar

E vendo,

Acordado,

O logro da aventura.

És homem, não te esqueças!

Só é tua a loucura

Onde, com lucidez, te reconheças.

 

Torga, Diário

LIÇÃO



S. Martinho de Anta, 26 de Dezembro de 1961.

LIÇÃO

A lição que me vem

Da calada e tenaz perseverança

Deste invernoso e austero

Mundo sem folhas, desagasalhado:

Todas as serranias em redor

Aquecidas de fé noutro calor,

Ao borralho do sol, quase apagado!...

 

Torga, Diário

NATAL

aqueles-que-vivem.jpg 

S. Martinho de Anta, 25 de Dezembro de 1982

NATAL

Solstício de inverno.

Aqui estou novamente a festejá-lo

À fogueira dos meus antepassados

Das cavernas.

Neva-me na lembrança.

E sonho a primavera

Florida nos sentidos.

Consciente da fera

Que nesses tempos idos

Também era,

Imagino um segundo nascimento

Sobrenatural

Da minha humanidade.

Na humildade

Dum presépio ideal,

Emblematizo essa virtualidade.

E chamo-lhe Natal.

 

Torga, Diário

NATAL

Presépio

http://leandrohubo.wordpress.com/2006/12/ 

 

S. Martinho de Anta, 24 de Dezembro de 1969.

LOA

É nesta mesma lareira,

E aquecido ao mesmo lume,

Que confesso a minha inveja

De mortal

Sem remissão

Por esse dom natural,

Ou divina condição,

De renascer cada ano,

Nu, inocente e humano

Como a fé te imaginou,

Menino Jesus igual

Ao do Natal

Que passou.

 

Torga, Diário

.

(BOM NATAL PARA TODOS OS FREQUENTADORES DESTE CANTINHO QUE PRETENDE PARTILHAR POESIA, ALGO QUE AINDA VAI SUAVIZANDO ESTE MUNDO LOUCO!)

 

SERÃO

S. Martinho de Anta, 21 de Dezembro de 1960.

 

SERÃO

Frios versos de inverno...

Que Musa me regela

O coração? Ah, quem me dera aquela

Ida e primaveril inspiração!

Triste e mortiça,

A minha voz fumega

Como lenha molhada. A fogueira não pega.

Arde assim, apagada.

 

 Torga, Diário IX

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