Hoje, precisamente há cem anos nascia um dos maiores HOMENS que Portugal teve a honra de ter como filho no século XX. Apesar dos silêncios oficiais - não dá parangonas como as inaugurações de auto-estradas - o país foi revivendo e relembrando esta alma inquieta que soube dar voz às nossas interrogações existenciais e nos vai memorando a condição humana de misérias umas vezes, mas também de esplendores e grandezas que felizmente dominam as primeiras. Hoje a minha homenagem passa por três registos diarísticos: o primeiro, por isso mesmo, o segundo, por associar a data à figura tutelar da mãe e o terceiro por recordar a existência como ele a viveu / vivia.
Termas de S. Vicente, 12 de Agosto de 1938 — Estas romarias de Portugal! E eu que faço hoje trinta e um anos! Porque no fundo tenho passado a vida a arranjar coragem para me atirar a um baile destes e suar duma vez o lirismo que me envenena. Mas completo hoje trinta e um anos. Agora, só mesmo fazendo um filho depressa e delegando nele.
Gerês, 12 de Agosto de 1948.
ANIVERSÁRIO
Mãe:
Que visita tão pura me fizeste
Neste dia!
Era a tua memória que sorria
Sobre o meu berço.
Nu e pequeno como me deixaste,
Ia chorar de medo e de abandono.
Então vieste, e outra vez cantaste,
Até que veio o sono.
Coimbra, 12 de Agosto de 1991 — Os oitenta e quatro anos ensinaram-me que é mais fácil concitar ódios do que motivar e conservar amizades. Mas não desisto de dar voz ao coração, mesmo a correr o risco de ser mal compreendido por aqueles com quem só de coração aberto sei comungar.
Amigos:
Todos sabemos, clara ou brumosamente, que nascemos sós, vivemos sós e morremos sós. E que, até nas horas menos infelizes, no mais fundo do nosso inconsciente, lateja, cruciante, a dor incurável dessa condenação. Mas sabemos também que a Bíblia, o livro dos livros, nos ensina que não há homem sem homem, e que o próprio Cristo teve, a caminho do Calvário, a fortuna dum cireneu para o aliviar do peso da cruz. O que, trocado por miúdos, significa que a solidão radical de cada existência — que, nos poetas, a cegueira de Homero ilustra premonitória e paradigmaticamente —, é mitigada por uma força que, se não vence o destino, inconformadamente desde sempre o desafia. (...)