Ainda hesitei em pôr este poema de Torga no dia da Criança, mas decidi-me a colocá-lo por duas razões: primeiro, porque é uma homenagem à mãe e as crianças não existiriam sem ela; segundo, porque é um dos poemas mais sentimentais do poeta que normalmente é granítico, distante , superior e este poema ressuma emoção em todos os versos. Afinal ospoetas também choram nem que seja pelas palavras!
S. Martinho de Anta, l de Junho de 1948.
Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?
Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.
Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.
Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!
Diário IV