Poema bastante belo porque simples; além do mais fala da Natureza que é sempre bela, mesmo quando não parece ou está furiosa com o que nós humanos lhe fazemos. Também ficou harmónico quando o Chico Fininho o cantou - o canta.
Coimbra, 27 de Abril de 1961 - Há trinta e cinco anos (desde que, praticamente, comecei a ser gente) que vivo vigiado, como, de resto, todos aqui. E há trinta e cinco anos que olho com o mesmo consternado espanto os sujeitos que me vigiam Nos tempos da Inquisição, ainda se poderia aceitar — com dificuldade, mas enfim... - que o fanatismo da fé levasse certos homens a comportamentos desumanos, embora Deus lhes não encomendasse o sermão Mas agora nenhuma cega força interior motiva semelhante deformação. Um polícia secreto de hoje procede à margem de qualquer impulso sectário. Actua simplesmente por ofício. E é isso que me penaliza e assombra: que a intolerância possa constituir um modo de vida.
Como os ícones humanos são passageiros e facilmente esquecidos injustamente! A grandeza de vida e exemplo de um Zeca Afonso e a televisão portuguesa vai buscar para o homenagear um programa da homóloga Galega! O que se fará hoje?! As audiências devem diparar durante o telelixo normal dos feriados, mas se houver algum programa sério de homenagem ele passará despercebido. Novamente as palavras de Torga dizem tudo ou quase tudo, mesmo que entre elas esteja a distância temporal de 17 anos. Os factos da nossa pseudo-democracia gritam à saciedade por si mesmos!
Coimbra, 25 de Abril de 1974 - Golpe militar. Assim eu acreditasse nos militares. Foram eles que, durante os últimos macerados cinquenta anos pátrios, nos prenderam, nos censuraram, nos apreenderam e asseguraram com as baionetas o poder a tirania. Quem poderá esquecê-lo? Mas pronto: de qualquer maneira, é um passo. Oxalá não seja duradoiramente de parada...
Coimbra, 25 de Abril de 1991 — A eloquência doméstica no seu esplendor anual, a sujar de retórica uma data que muitos e em muitos e largos anos de sofrimento sonharam limpa. Mas a realidade é sempre cruel. E o natural é que os nossos representantes oficiais nos representem. Que amesquinhem a nossa pequenez a engrandecê-la com frases ocas, como nós a apoucamos elegendo-os, e nos exaltem a liberdade que devemos à generosidade de heróis que tivemos de combater logo no dia seguinte ao da generosidade.
Combarinhos, Caramulo, 24 de Abril de 1983 - Nova visita à reserva de rododendros espontâneos que se esconde nestes confins do mundo. A natureza às vezes gosta de se enfeitar assim secreta e caprichosamente, numa garridice gratuita, sem testemunhas, já que os aborígenes nem reparam na louçania. E têm de ser os olhos indiscretos dos poetas a vir de longe surpreender a maravilha e a dar notícia dela, pois só eles são capazes de admirar e compreender o absurdo de milhares de delicadas corolas abertas na aspereza de um meio onde a sua graça diz mas não condiz.
S Martinho de Anta, 23 de Abril de 1984 - Despeço-me melancolicamente do jardim. Cá o deixo em festa, na sua cíclica Primavera multicor. Só o melro, que aguarda insofrido a minha partida para começar a fazer o ninho no noveleiro do pátio, fica agora a gozar, como dono privativo, este resguardado esplendor. E com todo o direito. Flores gratuitas para uns olhos gratuitos. Rosas e azáleas que nenhuma angústia veja nascer e nenhuma memória recorde.