A SEMANA SANTA - Alexandre Herculano
VI
A noite escura desce: o Sol de todo
Nos mares se atufou. A luz dos mortos,
Dos brandões o clarão, fulgura ao longe
No cruzeiro somente e em volta da ara:
E pelas naves começou ruído
De compassado andar. Fiéis acodem
À morada de Deus, a ouvir queixumes
Do vate de Sião. Em breve os monges,
Suspirosas canções aos Céus erguendo,
Sua voz unirão à voz desse órgão,
E os sons e os ecos reboarão no templo.
Mudo o coro depois, neste recinto
Dentro em bem pouco reinará silêncio,
O silêncio dos túmulos, e as trevas
Cobrirão por esta área a luz escassa
Despedida das lâmpadas. que pendem
Ante os altares, bruxuleando frouxas.
Imagem da existência! Enquanto passam
Os dias infantis, as paixões tuas,
Homem, qual então és, são débeis todas.
Cresceste: ei-las torrente, em cujo dorso
Sobrenadam a dor e o pranto e o longo
Gemido do remorso, a qual lançar-se
Vai com rouco estridor no antro da morte,
Lá, onde é tudo horror, silêncio, noite.
Da vida tua instantes florescentes
Foram dois, e não mais: as cãs e rugas,
Logo, rebate de teu fim te deram.
Tu foste apenas som, que, o ar ferindo,
Murmurou, esqueceu, passou no espaço.
E a casa do Senhor ergueu-se. O ferro
Cortou a penedia; e o canto enorme
Polido alveja ali no espesso pano
Do muro colossal, que era após era,
Como onda e onda ao desdobrar na areia,
Viu vir chegando e adormecer-lhe ao lado.
O ulmo e o choupo no cair rangeram
Sob o machado: a trave afeiçoou-se;
Lá no cimo pousou: restruge ao longe
De martelos fragor, e eis ergue o templo,
Por entre as nuvens, bronzeadas grimpas.
Homem, do que és capaz! Tu, cujo alento
Se esvai, como da cerva a leve pista
No pó se apaga ao respirar da tarde,
Do seio dessa terra em que és estranho,
Sair fazes as moles seculares,
Que por ti, mono, falem; dás na ideia
Eterna duração às obras tuas.
Tua alma é imortal, e a prova a deste!