Luar de Janeiro
Luar de janeiro,
Fria claridade
Á luz delle foi talvez
Que primeiro
A bocca dum português
Disse a palavra saudade...
Luar de platina,
Luar que allumia
Mas que não aquece,
Photographia
D'alegre menina
Que ha muitos annos já... envelhecesse.
Luar de janeiro,
O gelo tornado
Luminosidade...
Rosa sem cheiro,
Amor passado
De que ficasse apenas a amizade...
Luar das nevadas,
Algido e lindo,
Janellas fechadas,
Fechadas as portas,
E elle fulgindo,
Limpido e lindo,
Como boquinhas de creanças mortas,
Na morte geladas
-E ainda sorrindo...
Luar de janeiro,
Luzente candeia
De quem não tem nada,
-Nem o calor dum brazeiro,
Nem pão duro para a ceia,
Nem uma pobre morada...
Luar dos poetas e dos miseraveis,
Como se um laço estreito nos unisse,
São similhaveis
O nosso mau destino e o que tens...
De nós, da nossa dôr, a turba - ri-se
-E a ti, sagrado luar ... ladram-te os cães!
Augusto Gil, Luar de Janeiro (1909)
[Acabei de chegar da rua, regressando do meu local de trabalho, e, ao olhar para a beleza da LUA cheia, lembraram-me os versos do poeta e não resisti a transcrevê-los na sua grafia original de há 100 anos atrás. Com tanta beleza e recordação o frio agreste da meseta fica para segundo plano!!!!]