Bichos
Quem nunca leu "Os Bichos" e gosta de animais não deixe de ler; quem já leu ao ler este excerto do Diário vê facilmente as semelhanças: o mesmo amor aos bichos e aos homens, o mesmo antropomorfismo que sempre o distinguiu e o caracterizou. De quem falo? É preciso responder?!
S. Martinho de Anta, 26 de Março de 1940 — Uma das últimas vezes que aqui vim, era um bichinho de pêlo muito sedoso, duas orelhitas espetadas ao lado dos olhos vivos, percorrido por uma alegria muscular, tão súbita e tão explosiva, que no mesmo instante estava ajoelhado a mamar na mãe e a subir ao ar como um foguete.
Agora é uma honesta fábrica de leite, barbada, séria, que nas festas só não pega à vara do pálio por ser cabra.
Daqui a uns anos começa a mancar, a perder o pêlo, cega-lhe um olho, secam- -lhe as tetas, e, a gemer como se o mundo fosse acabar naquela hora, morre.
A vida é assim, diz meu Pai.
Mas eu é que não me resigno a esta transfiguração animal, que de puro frémito passa a ser um hábito e, com pouco mais, é uma decrepitude.
Mil vezes então a continuidade de um vegetal. Mil vezes este nunca sorrir, este nunca saltar, este nascer e morrer com a mesma cara, este olhar todas as fases da vida com a mesma seriedade e a mesma compostura.
Agora é uma honesta fábrica de leite, barbada, séria, que nas festas só não pega à vara do pálio por ser cabra.
Daqui a uns anos começa a mancar, a perder o pêlo, cega-lhe um olho, secam- -lhe as tetas, e, a gemer como se o mundo fosse acabar naquela hora, morre.
A vida é assim, diz meu Pai.
Mas eu é que não me resigno a esta transfiguração animal, que de puro frémito passa a ser um hábito e, com pouco mais, é uma decrepitude.
Mil vezes então a continuidade de um vegetal. Mil vezes este nunca sorrir, este nunca saltar, este nascer e morrer com a mesma cara, este olhar todas as fases da vida com a mesma seriedade e a mesma compostura.
Diário I