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Já divulguei por aqui vários poemas deste nosso autor, com o objectivo de dar a conhecer outras facetas da sua poesia, porque praticamente só é conhecido pela Balada da Neve e pouco mais. Hoje volto à sua obra, por causa do Outono que se anuncia cada vez mais real e porque me lembrei dum seu poema, dos mais conhecidos, eivado de simpatia para com os sofredores, dentro da linha da piedade cristã mais franciscana e mais terna. O poema vale também pela harmonia e pela musicalidade das palavras.
ORAÇÃO
Outono. Morre o dia.
Cai sobre as coisas plácidas e calmas
Um véu de sombra e melancolia
Que dulcifica e embrandece as almas.
Todo o meu ser se invade
De enervantes e místicas doçuras,
De mansidão, de paz, de suavidade,
De sentimentos bons, de ideias puras.
No coração perpassa
Uma piedade e compaixão serena
Por todos os validos da desgraça,
Por tudo quanto sofre e quanto pena:
Pelos pequenos entes
Sem abrigo, sem lar e sem carinho,
Que são como avezinhas inocentes
Postas por mão cruel fora do ninho;
Pelos encarcerados
Que lançam, dentre as grades da cadeia,
Ao ar, à luz, aos montes afastados
A vista aflita e de amarguras cheia;
Pelos que vão pedindo
De porta em porta o pão de cada dia,
Tristes, que sempre a morte olham sorrindo
Porque ela unicamente os alivia;
Pelos que andam distantes
Entre cruezas, fomes e perigos,
Sentindo a nostalgia lancinante
Da pátria, da família, dos amigos;
E numa emoção crente,
Numa fé viva, forte e benfazeja,
A Deus suplico fervorosamente
Que os guie, que os socorra, que os proteja.
Musa Cérula