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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Recusa

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 (1922-1976)

                      a Alberto de Serpa 

Serei sempre um poeta provinciano. 
Um poeta triste, esquivo, 
Com medo de apertar a mão aos poetas da cidade 
E de me sentar com eles 
À mesa do Café. 
Não falarei de minha poesia. 
Não rimarei minha angústia 
Com a solenidade de suas questões. 
A poesia não está na discussão. 
A poesia não está no não estar com este ou com aquele. 
A poesia está em matar esta morte 
Que anda dentro de nós 
Para que a vida renasça. 
A poesia está em gritar do alto dos arranha-céus 
E das planuras e concavidades sertanejas 
Que o mundo vai acabar 
Que o mundo está maduro para o sangue 
Que o mundo perverso e caótico vai vagar. 
Serei sempre um poeta provinciano. 
Um poeta esquivo defendendo sua solidão 
De todos os truques de todos os ódios de todas as invejas. 
Os poetas rendilheiros não perdoarão. 
Os poetas vaidosos vão barafustar 
E exigir a expulsão imediata 
Do último vendilhão do Templo, 
Em nome da religião, 
Em nome da estética, 
Em nome da dignidade amarfanhada, 
Em nome da polícia se preciso for. 
Serei sempre um poeta provinciano. 
Um poeta esquivo anunciando a verdade 
A repassar de gelo os corações narcotizados. 
Os poetas rendilheiros não perdoarão. 
Os poetas vaidosos vão barafustar, 
Porque o fim do mundo está próximo. 
Os poetas rendilheiros e os poetas vaidosos estão maduros para o sangue. 
Já estão cevados para a morte. 
Eles esquecem (perdão, não é blasfémia!) a sentença do Cristo: 
— «Destruí este Templo e eu o reedificarei em três dias.» 

Vasco Miranda, A Vida Suspensa