Camilo
Vilarinho de Samarda, 26 de Maio de 1955 — Os homens célebres parecem deixar o fantasma da sua morte nos sítios por onde passaram. A espécie de terror sagrado que paira nesses lugares dá-me a impressão de ser a imagem inquietadora e apenas disfarçada da hera letal colada a todas as vidas, que os não acompanhou no aniquilamento. Cada um de nós, chegada a hora, leva consigo para a sepultura o espectro da própria destruição. O esquife conduz tudo: a chama apagada e as cinzas da fogueira. Mas neles o sim e o não que coexistem no indivíduo, depois do lance fatal, separam-se. O sim parte, e o não fica. É como se a Parca, invejosa da glória intemporal que os perpetua no mundo, permanecesse ali vigilante, à espera de se vingar do próprio fracasso.
Torga, Diário VII