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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Calvário

 

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[VASCO FERNANDES (1501-1542)] 


Jesus expira sobre a montanha sagrada
Pregados ao Madeiro, os braços magros, nus.
Treme o solo, e do céu cai a noite fechada.
O Sol não manda à Terra uma réstia de luz.

Tremendo em convulsões, de lágrimas banhada,
Madalena soluça, abraçando-se à cruz,
Enquanto a Mãe de Deus, muda, petrificada,
Hirta de dor, contempla o corpo de Jesus.

Ante a morte de um Deus, em fúria os elementos
Rasgam raios o espaço e ribomba o trovão,
E um clamor de vingança ecoa aos quatro ventos.

E entre tanta revolta e tanta maldição,
Jesus lança em redor, sem ódio e sem lamentos,
Seu compassivo olhar de infinito perdão!

 

Bastos Tigre - poeta brasileiro (1882-1957)

Estou vivo e escrevo sol

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Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde

António Ramos Rosa

Dia mundial do Teatro

«Ensina-se-lhes que sejam valentes, para um dia virem a ser julgados como covardes. 

Ensina-se-lhes que sejam justos, para viverem num Mundo em que reina a injustiça!

Ensina-se-lhes que sejam leais, para que a lealdade, um dia, os leve à forca.» (p. 83)

«Todos somos chamados, pelo menos uma vez, a desempenhar um papel que nos supera.

É nesse momento que justificamos o resto da vida, perdida no desempenho de pequenos

papéis indignos do que somos.»  (p. 89)

 

Luís Sttau Monteiro, Felizmente há luar!

POEMA NONO

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Os versos mais pobres
canta-os o melro na sua desgraça,
aqueles que resistiram a um silêncio apedrejado
e se tornaram bocados de saudade.
É também negra a respiração do melro,
dela chega o fraco rumor da noite se o dia se gasta
no bico ansioso. O melro aprende
de baga em baga.
O coração do melro
senta-se à mesa da primavera
rodeado de canções. E canta
com a sabedoria das sementes, ergue-se
da tristeza com uma cítara que lhe oferecem
as folhas. O olho árduo e jovem
pertence à vertigem da tarde, torna infinita
a alegria das árvores de fruto. E ama-as. Com 
um amor que Deus não conseguiu dar
a outro pássaro.
Canção pura, fria, e pobre,
é a do melro. A do canto alheio.
Aquele que prolonga os limites da tristeza
e enlouquece as mãos, a pele, a boca dos amantes,
esse que faz enlouquecer o próprio melro
quando vagueia alucinado à procura, no céu,
da inesperada luz
que faz florir as cerejeiras.

 

Joaquim Pessoa

 

O perfume precioso (Lc 7, 36-50)

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 (Maria Madanela de George Romney)

 

Havia um vaso de perfume
em barro branco
e a mulher que se colocou de gatas
radiante por poder exibir a farta cabeleira
Mas ao quebrá-lo daquele modo aos pés do hóspede
misturou o nardo imprevistamente
com o cheiro de uma mulher que chora

 

O anfitrião especado observava, sem pronunciar um som
o mestre, porém, olhou-a com os seus olhos de cão meigo
a vagabundagem e a pobreza
eram direitos de quem entrou e saiu das trevas
para fazer da infelicidade um uso

 

Recordarei sempre aquele momento
perfeito fio de prumo
que indica o centro da vida.

 

José Tolentino Mendonça

 

Viesses tu, Poesia

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(1924-1952)


Viesses tu, Poesia 
e o mais estava certo. 
Viesses no deserto, 
viesses na tristeza, 
viesses com a Morte...


Que alegria mereço, ou que pomar, 
se os não justificar, 
Poesia, 
a tua vara mágica?


Bem sei: antes de ti foi a Mulher, 
foi a Flor, foi o Fruto, foi a Água... 
Mas tu é que disseste e os apontaste: 
- Eis a Mulher, a Água, a Flor, o Fruto. 
E logo foram graça, aparição, presença, 
sinal...


(Sem ti, sem ti que fora 
das rosas? 
Mortas, mortas pra sempre na primeira, 
mortas à primeira hora.)


Ó Poesia!, viesses 
na hora desolada 
e regressara tudo 
à graça do princípio...

 

Sebastião da Gama

Livro do Amor

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O mais singular livro dos livros 
É o Livro do Amor; 
Li-o com toda a atenção: 
Poucas folhas de alegrias, 
De dores cadernos inteiros. 
Apartamento faz uma secção. 
Reencontro! um breve capítulo, 
Fragmentário. Volumes de mágoas 
Alongados de comentários, 
Infinitos, sem medida. 
Ó Nisami! — mas no fim 
Achaste o justo caminho; 
O insolúvel, quem o resolve? 
Os amantes que tornam a encontrar-se. 

Johann Wolfgang von Goethe

P o e s i a

palavras

 

 

as palavras, traiçoeiras,

queriam dizer coisas negativas

mas hoje é dia de esplendor

por isso desde as primeiras

têm de estar vivas

têm de soletrar A M O R.

 

porque hoje é dia de ser

“maior que os homens”, beijar,

ir para além de nós, da vida;

doar cada minuto, merecer

a oferta de poder respirar

cada palavra esclarecida.

 

J M, 24.03.2018

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