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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

o espelho

 

O céu inteiriçou-se a todo o comprimento

Do vidro ao levantar a persiana.

 

 

Levou as mãos ao rosto, atravessou a sala, ao canto

Da qual reinava o espelho, e aproximou-se

Dele como o não fazia há muitos anos.

 

 

 

Luís Miguel Nava, Poesia Completa

Sem outra palavra para mantimento

Sem outra palavra para mantimento

Sem outra força onde gerar a voz 

Escada entre o poço que cavaste em mim e a sede 

Que cavaste no meu canto, amo-te 

Sou cítara para tocar as tuas mãos. 

Podes dizer-me de um fôlego 

Frase em silêncio 

Homem que visitas 

Ó seiva aspergindo as partículas do fogo 

O lume em toda a casa e na paisagem 

Fora da casa 

Pedra do edifício aonde encontro 

A porta para entrar 

Candelabro que me vens cegando. 

Sol 

Que quando és noturno ando 

Com a noite em minhas mãos para ter luz.

 

Daniel Faria, "Dos Líquidos"

Abril


Havia uma lua de prata e sangue
em cada mão.

Era Abril.

Havia um vento
que empurrava o nosso olhar
e um momento de água clara a escorrer
pelo rosto das mães cansadas.

Era Abril
que descia aos tropeções
pelas ladeiras da cidade.

Abril
tingindo de perfume os hospitais
e colando um verso branco em cada farda.

Era Abril
o mês imprescindível que trazia
um sonho de bagos de romã
e o ar
a saber a framboesas.

Abril
um mês de flores concretas
colocadas na espoleta do desejo
flores pesadas de seiva e cânticos azuis
um mês de flores
um mês.

Havia barcos a voltar
de parte nenhuma
em Abril
e homens que escavavam a terra
em busca da vertical.

Ardiam as palavras
Nesse mês
e foram vistos
dicionários a voar
e mulheres que se despiam abraçando
a pele das oliveiras.

Era Abril que veio e que partiu.

Abril
a deixar sementes prateadas
germinando longamente
no olhar dos meninos por haver.


José Fanha

Em Abril

 

Em Abril floriu a liberdade

com cravos de vermelha cor;

em Abril por toda a cidade

se expandiu a reprimida dor

para festejar a pujante idade

de uma revolução em flor.

 

Um mar de gente saiu à rua

todo alvoroçado nas vontades

unido num sólido coração

capaz de ir buscar a Lua

para iluminar as verdades

ocultas na longa opressão.

 

O grito soltou-se bem alto

das bocas como uma só;

tremeu o Carmo e a Trindade

e foi tão grande o sobressalto

que sem piedade nem dó

se ouviu em uníssono: LIBERDADE!

 

E a cidade foi um espanto

de esperança e alegria:

as ruas engalanaram-se

os tanques abrilaram-se

a noite converteu-se em dia

e Grândola fez-se CANTO.

 

24.04.2014

 

JM

A Rapariga do País de Abril


Habito o sol dentro de ti
descubro a terra aprendo o mar
rio acima rio abaixo vou remando
por esse Tejo aberto no teu corpo.

E sou metade camponês metade marinheiro
apascento meus sonhos iço as velas
sobre o teu corpo que de certo modo
é um país marítimo com árvores no meio.

Tu és meu vinho. Tu és meu pão.
Guitarra e fruta. Melodia.
A mesma melodia destas noites
enlouquecidas pela brisa no País de Abril.

E eu procurava-te nas pontes da tristeza
cantava adivinhando-te cantava
quando o País de Abril se vestia de ti
e eu perguntava atónito quem eras.

Por ti cheguei ao longe aqui tão perto
e vi um chão puro: algarves de ternura.
Qaundo vieste tudo ficou certo
e achei achando-te o País de Abril.


Manuel Alegre, 30 Anos de Poesia, Publicações Dom Quixote

Noite de Abril

Hoje, noite de Abril, sem lua,
A minha rua
É outra rua.

 

Talvez por ser mais que nenhuma escura
E bailar o vento leste
A noite de hoje veste
As coisas conhecidas de aventura.

 

Uma rua nova destruiu a rua do costume.
Como se sempre nela houvesse este perfume
De vento leste e Primavera,
A sombra dos muros espera

 

Alguém que ela conhece.
E às vezes, o silêncio estremece
Como se fosse a hora de passar alguém
Que só hoje não vem.

.
Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética I