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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

A memória das palavras

A memória das palavras

 

1.Vasco Graça Moura (1942 – 2014) – Para ele “a poesia é a minha forma verbal de estar no mundo.” Mas era, acima de tudo, um tradutor. Traduziu muito e sobretudo literatura do tempo do renascimento. “Poeta e tradutor de grandes poetas, romancista, ensaísta, dramaturgo, cronista, antologiador, historiador honoris causa, advogado, político, gestor cultural – e podiam acrescentar-se várias outras actividades –, Graça Moura foi um improvável espírito renascentista encarnado neste presente um pouco caótico de mais para o seu assumido gosto pela ordem e pela disciplina.” Mas não só. Traduziu do espanhol, do francês, do italiano, do inglês e do alemão. Mas a maior tradução está registada nos inúmeros livros que escreveu: aí traduziu o seu pensamento, a sua literatura. Muitos textos têm reminiscências das traduções realizadas. Mas a tradução dos seus pensamentos realizou-a com paixão e sem compaixão. As ideias políticas valeram-lhe alguns inimigos, mas isso não o perturbou. O caminho interiorizou-o integralmente. Escrita de lucidez e independência feita de perfeição quase atingível, mas também, nalguns poemas, geométrica.

     Foi um poeta único. "Eu cá transformo tudo em literatura", afirma-se num conhecido verso denunciador da poética alquímica, simultaneamente irónica e classicizante de Vasco Graça Moura. Essa tendência para a autodefinição transparece em alguns dos seus textos poéticos, mas também em escritos que ocasionalmente os acompanham, como acontece em "Poesia e autobiografia", onde podemos ler: "Para mim essas coisas são naturais. Escrevo poemas quando uma certa disponibilidade, uma certa informação e uma certa tensão agudizam a minha percepção do mundo e me permitem operar, por via da palavra poética, uma manipulação dele" (Modo Mudando). Neste sentido de recriação artística, não escandaliza ninguém que o poeta afirme, longe de biografismo ingénuos, que toda a sua poesia é modulada por uma "dimensão autobiográfica". Na sua refinada e aparentemente prosaica captação (re)criativa do efémero quotidiano, não esquece a moderna lição de O'Neill ou de Cesário, dois dos seus assumidos mestres. É justamente à luz da concepção simultaneamente lúdica e ética, orientadora do seu trabalho oficinal, que lemos com enorme prazer poemas como o lamento para a língua portuguesa ou os sentidos poemas com pessoas. (Cândido Martins, Letras & Letras).

     Intransigente defensor da língua portuguesa, lutou persistentemente contra a aplicação do acordo ortográfico. A sua paixão pela nossa língua ficou registada no poema “lamento para a língua portuguesa” : “não és mais do que as outras, mas és nossa, / e crescemos em ti. nem se imagina  / que alguma vez uma outra língua possa / pôr-te incolor, ou inodora, insossa, / ser remédio brutal, mera aspirina, / ou tirar-nos de vez de alguma fossa, / ou dar-nos vida nova e repentina. / mas é o teu país que te destroça, / o teu próprio país quer-te esquecer / e a sua condição te contamina / e no seu dia-a-dia te assassina.  "Antologia dos Sessenta Anos"

 

2.      Alberto da Costa e Silva – Prémio Camões 2014. Este ano o prémio foi para o Brasil. É um autor pouco conhecido entre nós – confesso que nunca li nada dele – e é poeta, memorialista, ensaísta e historiador especialista em África. É pois um autor a descobri,r uma vez que o prémio foi atribuído por unanimidade o que revela a sua importância. Numa primeira reação, Mia Couto, seu antecessor no galardão, disse que ao autor “fez o trabalho de resgatar a memória de África "com arte e elegância". "É um poeta que está a escrever e o que se está a premiar aqui não é só o trabalho de alguém que caminha pela história e pela reconstituição do passado mas que faz isso com qualidade literária". Alberto Costa e Silva, nasceu em São Paulo, em 1931, e foi embaixador do Brasil em Portugal. Um dos representantes de Portugal no júri, José Carlos de Vasconcelos, disse que o autor nos seus volumes de memórias tem uma parte substancial dedicada ao tempo que passou no nosso país sendo por isso um excelente testemunho sobre um período da história de Portugal. Acima de tudo é um historiador e esta faceta da sua obra é a mais conhecida. Dos anos de Lisboa deixamos o seu testemunho: “Três anos mais tarde, voltei a Lisboa, como embaixador. A cidade era outra. Não se podia mais estacionar um carro no Chiado, por exemplo, o que dantes se fazia facilmente. E os amigos estavam mais velhos. Alguns haviam morrido, como Botelho, e outros partiriam pouco depois de nosso retorno, como João Gaspar Simões e Alexandre O'Neill. Mudara Lisboa e mudáramos nós. Mas não se alterara o essencial: 20 anos depois, o ambiente de afeto era o mesmo. E ganhamos mais amigos.” (Autobiografia escrita em 2006 e publicado no Jornal de Letras).

    Como aperitivo para uma leitura mais demorada fica um soneto da sua obra “As Linhas da Mão” que foi um livro premiado no Brasil:

Respiro e vejo. A noite e cada sol 
vão rompendo de mim a todo o instante, 
tarde e manhã que são tecido tempo, 
chuva e colheita. O céu, repouso e vento. 

Vergel de aves. Vou entre viveiros, 
a caçar com o olhar, passarinhagem 
dos pequeninos sóis e das estrelas 
que emigram neste céu de goiabeiras. 

mas sigo a jardinagem, podo o tempo, 
o desgosto do espaço, a sombra e o fogo, 
as florações da luz e da cegueira. 

E, no dia, suspensa cachoeira, 
neste jogo sagrado, vivo e vejo 
o que veio em meus olhos desenhado. 

 

Gonçalves Monteiro

 

[Texto no jornal A Guarda desta semana.]

Gonçalves Monteiro

RIP

A madrugada roubou-lhe a última batida do coração. Assim. Uma vida repartida entre dois continentes. Uma vida na tarefa de ajudar os outros. Duas paixões de que falava com paixão. Porque sempre gostou do que fez. Na polícia onde gastou a vida activa e uma parte da saúde. Essa foi a sua primeira paixão. Falava ainda hoje do seu trabalho com o gosto das coisas que se fazem com gosto. A sua segunda paixão era África: Beira, Moçambique. Aí teria querido descansar pois aí construiu a "sua vida". Mas a "descolonização exemplar" obrigou-o a voltar à pátria de nascimento. No entanto, aquele brilhozinho nos olhos, aquele embargo na voz não o deixavam mentir: amava Moçambique. O entusiasmo com que descrevia as extensões territoriais; as terras que produziam com pouco trabalho; as familiaridades raciais - não os ódios - que se viviam por lá. É verdade que ficou um certo azedume por ter sido obrigado a abandonar um país onde fizera amizades que permaneceram muitos anos depois do regresso mas que não eram tão próximas. A saudade de África deve ser mesmo uma paixão!

Nos últimos tempos a saúde foi-o abandonando e, por fim, foi vencido.

Ah! uma rectificação: a sua grande paixão foi a esposa com quem sempre partilhou a existência!

Que o descanso lhe "torne sempre leve a terra dura"!

Deus o receba na sua morada e dê paz à sua alma.

Clube dos poetas vivos

 

Clube dos Poetas Vivos - Exposição até fim de maio

 

 

 

 

 

No presente ano letivo, quisemos dar voz aos poetas vivos da nossa cidade, divulgando, junto da comunidade escolar, a sua obra poética. Assim, por aqui passaram os poemas de Daniel Rocha, Américo Rodrigues e Galo Porno (Rodrigo Santos), todos eles antigos alunos desta escola. No mês de maio, o destaque vai para JM (José Manuel Monteiro), professor de Português da nossa escola.

 

Embora não tendo ainda nenhum livro publicado, os seus poemas têm sido divulgados em algumas revistas (“Praça Velha”, nº 24) e sobretudo através do blogue http://ardaguarda.blogs.sapo.pt/ .

Aqui fica o convite para passarem na biblioteca e lerem poemas do nosso estimado colega.

 

 

TANTO SILÊNCIO

 

 

 

Tanto silêncio, Deus meu!

 

 

Tudo emudeceu,

 

nem a terra nem o céu

 

emitem sinais de vida…

 

 

é só serra árida, perdida

 

entre deserto e deserto

 

 

e a fonte aqui tão perto!

 

 

Quem me dera reavê-la

 

à luz serena da estrela

 

que brilha alta no céu.
Tanto silêncio, Deus meu!
 

 

[Os meus poemas em destaque no "Clube dos Poetas Vivos" da Escola. Obrigado Dr.a Emília Costa e Dr. Joaquim Igreja e Centro de Recursos].

 

 

 

Cerejas

 

Essas maduras cerejas

Que encaixilham tua boca

Dizem: “Não me beijas?

Não é isso que desejas

na tua imaginação louca?

 

Que vermelha tentação!

E no reboliço só ouço

O desenfreado coração

E da encarnada paixão

Não resta senão o caroço.

 

Que lindo cartão de visita

Esses teus carnudos lábios

Moldando um rosto catita!

Oh quem dera a dita

De ler neles ditos sábios!

 

 

 

27.05.2014

 

JM

 

 

Ser Professor!

Há dias em que é gratificante ser professor. Hoje foi um desses dias porque é nas despedidas que se revelam os sentimentos despertados ao longo de um ano, ou dois, ou três de trabalho em comum. E as lágrimas de saudade, antes de ela existir, são o melhor testemunho. E o carinho que se sente em cada olhar, em cada gesto que é desenhado e que, mesmo que não seja concluído, nos diz que ficou uma marca. Não importa a profundidade, importa o agradecimento manifestado das mais diversas formas: no abraço, no beijo, no aperto de mão. Mais efusivo ou mais contido! Num texto ou numa assinatura pedida! Nada apagará esses momentos que nos fazem sentir que a missão do professor é orientar e ajudar a construir um caminho.

Perdoe-se-me a imodéstia,  mas deixo, com orgulho, um depoimento de uma aluna de Literatura para provar aquilo que acabei de escrever:

“Não, ler não é juntar um A com um V e um E e pronunciar Ave! É nessa palavra conseguir ler o som que o esbater de uma asa na outra faz para alcançar os céus! Ler é entender que há mais letras numa palavra do que as que se encontram à vista! É ir para lá das vogais e alcançar as consoantes.
Aprendi que Literatura, é mais que uma disciplina onde lemos uns quantos autores considerados importantes ao longo dos séculos!  O professor ensinou-me que Literatura é compreender o porquê de serem importantes, o para lá do autor, a pessoa atrás da obra, o porquê da obra ser assim!

 Se numa eventualidade (de 0-100, haverá uma probabilidade de 20% certo é) de seguir Literatura, quero que saiba que foi por sua causa, porque eu gostava de ler como quem gosta de caminhar numa tarde de Primavera com 20º e uma brisa suave, mas agora gosto de ler como quem ama caminhar numa tarde de Verão com 30º graus e um calor abrasador.”

 

Inês Coimbra, 11º F