já ninguém morre de amor, eu uma vez andei lá perto, estive mesmo quase, era um tempo de humores bem sacudidos, depressões sincopadas, bem graves, minha querida, mas afinal não morri, como se vê, ah, não, passava o tempo a ouvir deus e música de jazz, emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes, ah, sim, pela noite dentro, minha querida.
a gente sopra e não atina, há um aperto no coração, uma tensão no clarinete e tão desgraçado o que senti, mas realmente, mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não, eu nunca tive queda para kamikaze, é tudo uma questão de swing, de swing, minha querida, saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber, e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.
há ritmos na rua que vêm de casa em casa, ao acender das luzes, uma aqui, outra ali. mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha no lusco-fusco da canção parar à minha casa, o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente, minha querida, toda a gente do bairro, e então murmurarei, a ver fugir a escala do clarinete: — morrer ou não morrer, darling, ah, sim.
Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"
1. Não tenhas opiniões firmes, nem creias demasiadamente no valor de tuas opiniões.
2. Sê tolerante, porque não tens a certeza de nada.
3. Não julgues ninguém, porque não vês os motivos, mas só os atos...
4. Espera o melhor e prepara-te para o pior.
5. Não mates nem estragues, porque, como não sabes o que é a vida, exceto que é um mistério, não sabes que fazes matando ou estragando, nem que forças desencadeias sobre ti mesmo se estragares ou matares.
6. Não queiras reformar nada, porque, como não sabes a que leis as coisas obedecem, não sabes se as leis naturais estão de acordo, ou com a justiça, ou, pelo menos, com a nossa ideia de justiça.
7. Faz por agir como os outros e pensar diferentemente deles. Não cuides que há relação entre agir e pensar. Há oposição. Os maiores homens de ação têm sido perfeitos animais na inteligência. Os mais ousados pensadores têm sido incapazes de um gesto ousado ou de um passo fora do passeio.
Fernando Pessoa, do livro "Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa" . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
Arte - Almada Negreiros, Retrato de Fernando Pessoa 1964