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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Vergílio Ferreira (n. 28 de Janeiro de 1916)

 

Pensar Portugal. Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente se põem a ser gente. Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções, de singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história. Nós não temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em longe, um original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta os destinos do país. A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio, como é da sua condição de canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito por jactância ou simplesmente ignora que tenham existido. Nós não somos um país de vocações comuns, de consciência comum. A que fomos tendo foi-nos dada por empréstimo dos grandes homens para a ocasião. Os nossos populistas é que dizem que não. Mas foi. A independência foi Afonso Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia. Aljubarrota foi Nuno Álvares. Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o negócio era bom. O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos só Pombal. O liberalismo foi Mouzinho e a França. A reacção foi Salazar. O comunismo é o Cunhal. Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles. Entre os originais e a colectividade há o vazio. O segredo da nossa História está em que o povo não existe. Mas existindo os outros por ele, a História vai-se fazendo mais ou menos a horas. Mas quando ele existe pelos outros, é o caos e o sarrabulho. Não há por aí um original para servir?

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 2'

 

Periferia

 

Ando há dias na periferia.

De quê? Na periferia.

 

Talvez a pusesse a rimar com alegria

mas a verdade é que não:

nem com alegria, nem com coração.

 

Também podia rimar com azia!

Aí sim já havia forte sintonia.

O pior era a posterior indigestão.

 

E se rimasse com chuva ou neve?

A sensação seria muito breve:

ou molhava ou a neve se desfazia.

 

Afinal com que rima periferia?

Depende. Se for minha, com desilusão.

Se for dos outros, com perdição.

 

27.01.2014

JM

Sensações 5

Deito-me no rio do tempo

E vogo ao sabor das sensações.

 

Deixo-me ir na corrente

Navego sem destino nem razões

 

Perfaço dias de ternura

Antes de ter a exacta noção

 

De que a vida é madraça

E nos rouba o que é perfeito

… o perfeito coração.

 

22.01.2014

...

Perguntas-me porque escrevo

e fico sem saber

se devo

ou não responder.

 

Escrevo porque a vida me dá temas

sugestões

e motivações

e assim surgem os poemas.

 

Uns escorreitos

como os dias de sol

outros imperfeitos.

Nem sempre somos o girassol!

 

Afinal a vida também é assim:

faz-nos sonhar

mas logo nos faz chorar:

Pelo menos para mim!

 

18.01.2014

JM

À Beleza

Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.

És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.

És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.

És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.

És a beleza, enfim. És o teu nome.
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço...
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço.

Miguel Torga, in 'Odes'

Há mulheres ...

Há mulheres que cheiram a terra

e a maternidade.

 

Há outras que cheiram a serra

e a fecundidade.

 

Há as que misturam a argila

com o rosmaninho.

 

Há as que fecundam a vida

com um simples carinho.

 

16.01.2014

JM

Desconforto

Estou perdido no labirinto

que construí em mim mesmo,

agora já nem sei o que sinto

vou usando palavras a esmo.

 

Às vezes não fazem sentido

outras até parecem belas

mas com isto de andar perdido

só saem mesmo é balelas.

 

Por isso o melhor é calar

e reflectir mais na vida.

Perde-se muito em falar

sem uma ideia definida.

 

15.01.2014

JM

Humana condição

Depois da euforia

vem a frustração,

ou a simples acalmia

da humana condição.

 

É sempre ou quase

mais ou menos assim:

primeiro o êxtase,

depois um breve fim.

 

E deste modo vivemos

em constante sobressalto,

quanto mais alto subimos

mais comprido é o salto.

 

O infinito procuramos,

queremos a perfeição.

Afinal só a encontramos

dentro do nosso coração.

 

13.01.2013

JM

 

 

(Ao gosto popular!)

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