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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ai, Margarida

 

Ai, Margarida,

Se eu te desse a minha vida,

Que farias tu com ela?

— Tirava os brincos do prego,

Casava c'um homem cego

E ia morar para a Estrela.

 

Mas, Margarida,

Se eu te desse a minha vida,

Que diria tua mãe?

— (Ela conhece-me a fundo.)

Que há muito parvo no mundo,

E que eras parvo também.

 

E, Margarida,

Se eu te desse a minha vida

No sentido de morrer?

— Eu iria ao teu enterro,

Mas achava que era um erro

Querer amar sem viver.

 

Mas, Margarida,

Se este dar-te a minha vida

Não fosse senão poesia?

— Então, filho, nada feito.

Fica tudo sem efeito.

Nesta casa não se fia.

 

Comunicado pelo Engenheiro Naval

       Sr. Álvaro de Campos em estado

                de inconsciência

                         alcoólica.


Álvaro de Campos, 1-10-1927

MIGUEL TORGA

 

Coimbra, 6 de Abril de 1973.


MISSÃO


«Deixem passar...»

Havia sentinelas a guardar

A fronteira do sonho proibido.

Mas ergui, atrevido,

A voz de sonhador,

E passei

Como um rei,

Sem dar mostras do íntimo terror.

E cá vou, a passar,

Aterrado e sozinho,

A lembrar

O santo-e-senha com que abri caminho...

 

Diário XI

Primavera - Urbano Tavares Rodrigues (R. I. P.)



A Primavera vem dançando
com os seus dedos de mistério e turquesa
Vem vestida de meio dia e vem valsando
entre os braços dum vento sem firmeza

Nu como a água o teu corpo quieto e ausente
Só este inquieto esvoaçar do teu sorriso
Loiro o rosto o olhar não sei se mente
se de tão negro e parado é um aviso
do destino que me fixa finalmente

Ai, a Primavera vai passando
com os seus dedos de mistério e de turquesa
Segue Primavera vai cantando
Que será do nosso amor nesta praia de incerteza


Urbano Tavares Rodrigues, in Horas de Vidro

...

busca o ponto da tarde

em que o sol encontra a preguiça

e relaxa e aproveita e goza o dia

 

quando o desejo mais forte arde

procura a sombra e deixa que a caliça

do tempo vença a simpática apatia

 

e já entrada a breve noite

o sono te leve suave e doce

nas asas da branca brisa do entardecer

 

assim terás quem te acoite

no seio imperfeito que antes fosse

a sensação de eternamente viver.

 

01.08.2013 - J M