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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Para Ti - Mia Couto

Foi para ti 
que desfolhei a chuva 
para ti soltei o perfume da terra 
toquei no nada 
e para ti foi tudo 

Para ti criei todas as palavras 
e todas me faltaram 
no minuto em que talhei 
o sabor do sempre 

Para ti dei voz 
às minhas mãos 
abri os gomos do tempo 
assaltei o mundo 
e pensei que tudo estava em nós 
nesse doce engano 
de tudo sermos donos 
sem nada termos 
simplesmente porque era de noite 
e não dormíamos 
eu descia em teu peito 
para me procurar 
e antes que a escuridão 
nos cingisse a cintura 
ficávamos nos olhos 
vivendo de um só 
amando de uma só vida 

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

LIBERDADE

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen

o horizonte que inventaste

(À minha mãe)


Rompeste com as montanhas
e atravessaste as tempestades
com o intelecto de alguém
que procura na imensidão
dos dias uma justificação
para andar.

Procuraste nas entrelinhas
das sensações e das ilusões
uma razão para nos trazeres
vestidos e aprumados
para as agruras da vida
que não conseguias evitar.

Da fome e das carências soubeste
tirar o melhor
e, interiorizando a coragem,
cresceste com a energia do ar e das flores
multiplicaste a força e a vontade
e distribuíste a graciosidade e a beleza.

Enfim, percorreste os desertos
e encontraste as miragens
reais numa complexa matriz
de dor e suor e sangue e esperança.

 
Daniel Rocha
[Roubado daqui: http://silenciosasdiscussoes.blogspot.pt/2012/04/o-horizonte-que-inventaste.html?spref=fb ]

Ladram uns cães

Ladram uns cães à distância 
Cai uma tarde qualquer, 
Do campo vem a fragrância 
De campo, e eu deixo de ver.

 

Um sonho meio sonhado, 

Em que o campo transparece, 
Está em mim, está a meu lado, 
Ora me lembra ou me esquece, 

 

E assim neste ócio profundo 
Sem males vistos ou bens, 
Sinto que todo este mundo 
É um largo onde ladram cães. 

 

 

Fernando Pessoa