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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Na noite da minha morte

Na noite da minha morte

Tudo voltará silenciosamente ao encanto antigo...

E os campos libertos enfim da sua mágoa

Serão tão surdos como o menino acabado de esquecer.

 

Na noite da minha morte

Ninguém sentirá o encanto antigo

Que voltou e anda no ar como um perfume...

Há-de haver velas pela casa

E xales negros e um silêncio que eu

Poderia entender.

 

Mãe: talvez os teus olhos cansados de chorar

Vejam subitamente...

Talvez os teus ouvidos, só eles ouçam, no silêncio da casa velando,

E mesmo que não saibas de onde vem nem porque vem

Talvez só tu a não esqueças.

 

Cristovam Pavia

Peregrinação

Peregrino

condenado a vadiar até à morte,

faço o destino

umas vezes com, outras sem norte.

 

Viajo no tempo

que me deram p'ra viver,

com o contratempo

de um dia vir a morrer.

 

Enquanto viajo

aprendo com os erros e as glórias

e interajo

saboreando derrotas e vitórias.

 

Quem sou eu afinal?

Um ser em trânsito e transformação!

Estarei completo no final?

Sabê-lo-á, acaso, o instável coração?

 

 

J.M.

Em uma Tarde de Outono

 

 

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol...

Olavo Bilac, Poesias

O anjo magoado

 

Que foi dele
depois que lhe quebraram as asas?
Que foi dele
depois que lhe contaram
que no seu ombro havia carne?
Parou tristonho de voar.
E olhou estupefato para os pássaros.
Só viu as próprias lágrimas
e acreditou que o espaço se houvera transformado em aquário.

E pôs-se a nadar rumo a pátria.
Pensava: "Que largo mar seco de praias!"
E em volta de si mesmo esvoaçava os braços
num esboço de viagem.
Então mirou-se
no último olhar de poça dagua
e descobriu seu rosto
pálido
lavado
com algumas gotas de suor e orvalho.
Vestiu tremendo o corpo claro
sentiu pudor de sua nudez de asas.
Procurou por todo o espaço
perscrutou a enxurrada.
Pensou: Ah, elas sim reconquistaram as aves".

E ancorou seu pranto na saudade.

 

Ilka Brunhilde Laurito

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