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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

O MELRO DE VISITA - Vasco Graça Moura

 

 

o amor não é uma saga cruel:
vejo-a cuidar das plantas no jardim,
brincam as filhas com lápis e papel
e eu escrevo sossegado. é bom assim.

 

na relva, um melro a saltitar, vilão
pretíssimo, esfuzia à cata de algum resto,
ou de mosca azarada: passa lesto
entre duas roseiras: já é verão.

 

mas o melro demanda outro quintal
e do poema, sem jeito e sem disfarce,
sai do bico amarelo em diagonal

 

desajeitada: esvoaça sem maneiras
como um pingo de tinta a escapar-se,
de verde prateado, as oliveiras.

 

 

«Sonetos Familiares»

Urbanização - Fiama Hasse Pais Brandão

Tudo o que vivêramos
um dia fundiu-se
com o que estava
a ser vivido.
Não na memória
mas no puro espaço
dos cinco sentidos.
Havíamos estado no mundo, raso,
um campo vazio de tojo seco.
Depois, alguém
urbanizou o vazio,
e havia casas e habitantes
sobre o tojo. E eu,
que estivera sempre presente,
vi a dupla configuração de um campo,
ou a sós em silêncio
ou narrando esse meu ver.


As Fábulas

[Fiama Hasse Pais Brandão nasceu em Lisboa, em 1938 e aí morreu em 2007 ]

fugaCIDADEs

O frio abateu-se sobre a cidade

Sentou-se nos bancos do jardim

Desceu as sinuosas ruas

Subiu as calçadas

E, cansado, esparramou-se

A todo o comprido

Aos pés de D. Sancho

Admirando, estupefacto,

A recém-ajustada Praça Velha.

                                               Dez. 05

 

JM

 

Eu poeta me confesso...

 

Mordi o pó, quebrada a minha lança,
E meu pendão real feito em pedaços!
Herói falhado, abandonou-me a esp`rança
Que em tempos idos me estendera os braços...


Meus olhos tão alegres em criança,
Tinham só amarguras e cansaços
Em vez do sonho que me fora herança
De avós remotos-Césares ou Tassos...


Qual mísero mendigo de longada
Batendo às portas, sem que dêem nada
À mão que leva em súplica, estendida,


Olhei as minhas pobres mãos morenas,
E vi que nelas me ficara, apenas,
Um jeito de pedir esmola à vida...

 

João Braz

 

[João Braz Machado (São Brás de Alportel, 13 de Março de 1912 - Portimão, 22 de Junho de 1993).]

fugaCIDADEs

Céleres as nuvens voam pelo azul

levadas pela pressa

de chegar a lado nenhum;

da chuva, deixam no ar gotas minúsculas

que irrigam lentamente as entranhas da terra;

trazem com elas o Norte soturno sinistro no frio e no gelo

trazem a branca beleza gélida dos pássaros rasantes do Estio

passageiros de lugares repentinos

efémeros nas vistas sequenciais

aparcarão lá mais para o sul

onde há a substância do azul

 

JM

 

redondo vocábulo

Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar,
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio,
Congregando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança,
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincando e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa


(LetrasdeMusicas.com.pt)
 
http://www.youtube.com/watch?v=Q805gD44PnY&feature=related
 
[Vá-se lá saber porquê, mas hoje deu-me uma de saudosismo de Zeca e esta é uma das minhas preferidas!]
 

VERÃO - João José Cochofel

 

 

O Verão estala por todos os poros

da casca das árvores,

da língua dos cães,

das asas das cigarras,

do bico do peito das mulheres

tão acerado

que rasga o céu de calor

com um golpe preciso

de lanceta.

 

Quatro Andamentos (1964) - In Obra Poética - Lisboa, Caminho, 1988

 

 

[Nasceu em Coimbra em 1920; pertenceu ao neo-realismo coimbrão; morreu em 1982]

Aniversário

 

 

Faz hoje um ano, precisamente!

A edição esgotou ao que sei (pelo menos no TMG).

Quem as leu? Muita gente!

Por onde andam? Pelas Universidades do país, com sucesso nos estudos, ao que consta, provando assim que os alicerces estavam lá.

Algumas continuam a escrever com êxito.

Todas deviam continuar a escrever porque sabem: mas a vida e a preguiça lusitanas não ajudam - parece que o ambiente medíocre das universidades também não. É pena!

 

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