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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

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Volto à novela porque hoje na "Praça Velha" apareceu uma recensão de Manuel Poppe sobre o livrinho que vale a pena ler.

 

 

É natural que tenha recordado os anos 50, isto é, a segunda metade do século passado... Foram os da adolescência vivida na Guarda, em pleno salazarismo, tempo de grilhões – as algemas de que se queixa José Marmelo e Silva, em duas novelas exemplares: Adolescente (em edição reescrita Adolescente Agrilhoado) e Anquilose. Sim, na maravilhosa juventude (tão imensamente extraordinária que nem reparam no encanto aqueles que a vivem), no sonho e na esperança, caíam as garras da mentalidade obsoleta e perversa, a prepotência castradora dos mandantes, fiéis servos de quem mandava. Apesar do ar da Guarda ser miraculoso, custava respirar. Intervir na cidade? Condição impossível. O protesto ficava-se pela Cova Funda e pelo Poço do Gado. Marchávamos entre baias firmes. Não que o nosso carácter não fosse firme; mas a firmeza (o poder da maldade e da tolice) dos donos da moral entortava-nos a poesia. Parece-me que, ao perder-se a poesia (onde está o ideal e o génio), se vai a criatividade e, consequentemente, a construção de um mundo amável, justo, ético. Ora a moralidade dos centuriões do tempo era imoral: assassinava o Espírito. Ana Rita Costa, Filipa Almeida, Joana Romano, Lara Monteiro, Maria João Lopes e Rita Dinis não meteram uma lança em África: a Guarda de 2008 não é a de 1950; e, no entanto, abanaram e assustaram os saudosos da imoralidade de há meio século e os ambiciosos de novas ordens policiadas e sufocadoras. Bem hajam! Representa, ainda hoje, um acto de muita coragem dizer o que elas dizem, na admirável novelinha Para sempre... talvez não (TMG), que um feliz Prefácio de José Monteiro abre. Fizeram-no em páginas de qualidade, reveladoras de engenho literário. Já o notei, algures, e repito: percebi o talento de escritoras autênticas. Interpelaram (desafiaram) os pasmados, os resignados e os ultramontanos, com desassombro. Enriqueceram o panorama cultural da nossa cidade, que, também, e sobretudo nisso, já muito mudou. A existência e a acção do TMG, a sua criação e a sua política cultural (a defender, religiosamente), obra maior da Câmara Municipal ilustram, honrosamente, essa mudança. A Guarda não deixou de ser a Guarda íntegra, corajosa, generosa; mas foi além: de burgo esquecido da remota Estrela passou a ponto de referência português e a parceiro ibérico (será necessário explicar que não periga a sua independência;1). Aqui – nesta realidade em movimento criador -, as jovens autoras se afirmaram e expressaram e reclamaram a própria liberdade. Em boa hora.
Manuel Poppe
 

 Praça Velha (nº24), Câmara Municipal da Guarda

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É já amanhã o lançamento de um novo número (24) da revista "Praça Velha". Paço da Cultura, 18.00 e a presença dá direito a um exemplar grátis.

 

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  Parece que hoje é mesmo de recordações / recuperações, no entanto esta por motivos alegres. A foto é da apresentação de 10 de Setembro, do "Para sempre...". Lembram-se? Houve presságios de que nunca mais as leríamos! Mas elas aí estão de volta:

 

 

Pensamentos GUARDAdos
 
Sente saudades da calma? Estranha a ausência de ar puro? Considera que a cidade tem o tamanho perfeito? Nunca se cruza com a mesma pessoa enquanto passeia? Não?! Nós sim... o adocicado sabor da partida amargou rapidamente quando os odores desconhecidos se apoderaram das nossas narinas, quando passámos a percorrer ruas demasiado barulhentas, congestionadas e impessoais de cidades ainda mais impessoais, quando ver um amigo se tomou quase utópico... quando saímos da Guarda!
   Recordamos o contraste entre o mo que caminhava a nosso lado e o calor humano que nos invadia quando entrávamos numa loja, num café... e este contraste eleva-se, abafa todos os inúmeros contrastes que agora nos rodeiam... os contrastes típicos das cidades onde agora vivemos.
 E é desta forma que diluímos as críticas que outrora proferimos para, num dia em que se comemora a Guarda, a aplaudirmos enquanto nosso berço.
 Por outro lado, apesar da nostalgia e por gostarmos tanto da nossa cidade, continuamos a acreditar que as mudanças são necessárias, as pedradas nos charcos, os gritos sonantes... acreditamos que há muitas vozes por ouvir, muitos "livros" por editar, muitas pessoas para "incomodar", muitos sorrisos vitoriosos por soltar!
 E é com o nosso sorriso que nos despedimos, com as nossas vozes que cantamos os parabéns à Guarda, às suas gentes! Fantástica, Feliz, Festiva, Familiar, Fértil e Reinventar uma cidade, ampliar o que ela tem de melhor, descortinar novos horizontes são sinónimos de progresso, de evolução hoje e daqui a 809 anos!
 
Joana Romano, Lara Monteiro, Maria João Lopes, Rita Costa e Rita Dinis
Terras da Beira (27 de Novembro de 2008)

 

Angel Campos Pampano

 

Concededme siquiera este refugio, este lugar al sol donde 

escribir sin culpa, libremente, donde cada palabra sea un

acto de amor que se hace piedra, flor del sueño, sed de

nubes. Siquiera este refugio, esta orilla secreta, donde todo

es más fácil.

 

 

No dia 12 de Outubro passado, punha aqui este poema, deste poeta espanhol, por ter sido agraciado com o Prémio Eduardo Lourenço. Iria recebê-lo amanhã, aqui na Guarda, mas dizem as notícias faleceu ontem em Badajoz. Encontrou o lugar de refúgio que procurava, onde escrever livremente, onde mitigar a sede de nuvens?! Oxalá assim seja!

Memória!

Memória, espaço de lembrar o passado com vistas para o futuro. Porquê? Porque a presença em palco de tantos jovens é bom sinal; porque a presença de tanta gente faz ter esperança; porque a reviver se constrói. É bom de vez em quando percorrer a memória: tem uma função catártica, ajuda a dispor-nos bem connosco e com a cidade! Vivaci(dade) ou será como dizia Poppe há uns tempos Cidade Viva!?!?

 

 

Guarda: o melhor ar ... arte!

Cântico


Mundo à
nossa medida
Redondo como os olhos,
E como eles, também,
A receber de fora
A luz e a sombra, consoante a hora

Mundo apenas pretexto
Doutros mundos.
Base de onde levanta
A inquietação,
Cansada da uniforme rotação
Do dia a dia.
Mundo que a fantasia
Desfigura
A vê-lo cada vez de mais altura.

Mundo do mesmo barro
De que somos feitos.
Carne da nossa carne
Apodrecida.
Mundo que o tempo gasta e arrefece,
Mas o único jardim que se conhece
Onde floresce a vida.

 

Miguel Torga

 

 

 

Guarda: o melhor ar ... frio ( e que virou arte!)

Ratio studiorum 1599

 

“Nada deve ser mais importante nem mais desejável (…) do que preservar a boa disposição dos professores (…). É nisso que reside o maior segredo do bom funcionamento das escolas (…).”
 
“Com amargura de espírito, os professores não poderão prestar um bom serviço, nem responder convenientemente às [suas] obrigações.”
 
Recomenda-se a todos os professores um dia de repouso semanal: “A solicitude por parte dos superiores anima muito os súbditos e reconforta-os no trabalho.”
 
“Quando um professor desempenha o seu ministério com zelo e diligência, não seja esse o pretexto para o sobrecarregar ainda mais e o manter por mais tempo naquele encargo. De outro modo os professores começarão a desempenhar os seus deveres com mais indiferença e negligência, para que não lhes suceda o mesmo.”
 
Incentivar e valorizar a sua produção literária: porque “a honra eleva as artes.”
 
 
 
 
 
 
(Palavras para quê?!)
 
 

TERRA


Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação!
Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.

Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!

A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.

Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!

 

MIGUEL TORGA

 

 

Guarda: o melhor ar... frio!

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