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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Memória das coisas

 

Inauguração da última exposição da série, ao fim da tarde, com objectos de 25 freguesias. Duas dezenas de presentes sem contar as crianças (ou contando com elas!). Será que estas freguesias representadas não têm Presidentes de Junta, ou são pessoas tão ocupadas que não se podem deslocar à inauguração? Pobreza franciscana ou cultural?

A sombra e o vento (2)

 

A sombra do vento agitava a manhã que rompia leda e fria na promessa de novas alegrias, apesar das nuvens leves que pairavam no espaço obliterando as euforias momentâneas. Os presságios da noite insone iam-se desfazendo à luz de um sol retemperador ... As aves setembrinas traziam consigo o prenúncio de um Inverno iminente...

A sombra e o vento

A sombra do vento agitava-se sobre a tarde cadente e esmorecia na palidez das nuvens rosadas que anunciavam a tempestade nocturna. Presságios de sonos insones na fresca madrugada...

Deixai os doidos ...

Deixai os doidos governar entre comparsas!
Deixai-os declamar dos seus balcões
Sobre as praças desertas!
Deixai as frases odiosas que eles disserem,
Como morcegos à luz do Sol,
Atónitas baterem de parede em parede,
Até morrerem no ar
Que as não ouviu
Nem percutiu
À distância da multidão que partiu!
Deixai-os gritar pelos salões vazios,
Eles, os portentosos mais que os mares,
Eles, os caudalosos mais que os rios,
O medo de estar sós
Entre os milhares
De esgares
Reflectidos nos colossais
Cristais
Hílares
Que a sua grandeza lhes sonhou!

 

Reinaldo Ferreira

Menina dos olhos tristes

Menina dos olhos tristes,
O que tanto a faz chorar?
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.

Senhora de olhos cansados,
Porque a fatiga o tear?
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.

Vamos, senhor pensativo,
Olhe o cachimbo a apagar.
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.

Anda bem triste um amigo,
Uma carta o fez chorar.
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.

A Lua, que é viajante,
É que nos pode informar
- O soldadinho já volta
Do outro lado do mar.

O soldadinho já volta,
Está quase mesmo a chegar.
Vem numa caixa de pinho.
Desta vez o soldadinho
Nunca mais se faz ao mar.

 

Reinaldo Ferreira

 

http://www.youtube.com/watch?v=KRVNbVeXq0M

Quadras

 

 

 

 

 

 

Oh! Senhora de Mileu

Que estás num degrau da serra,

Tão pertelinho do céu
E tão chegadinha à terra...
 

 

Senhora, lírio divino
Posto em chão de giesta brava,
Este velho é o menino
Por quem minha Mãe rezava...
 
Ouve! Escuta as minhas preces!
Tanta dor não a mereço...
Senhora, não me conheces?
Até eu me desconheço!
 
Senhora dos namorados,
Graças ao teu valimento,
Dobrava o sino a finados,
Canta e dança a casamento...
 
Quem agora te alumia
Não são as velas do altar
— É a sagrada alegria
Duns noivos que vão casar...
 
Augusto Gil, O Craveiro da Janela
 

 

A víbora

 

A VÍBORA

(DE DEMÓDOCO)

 

 

Um dia, uma víbora mordeu num pé

                   A pérfida Cloé.
 
Perguntarão: Que sucedeu
À pérfida Cloé?... Morreu?...
 
Isso morreu ela!...
Mal sentiu a mordedela.
Não teve febre, nem ardor, nem nada.
 
— A bicha é que morreu envenenada!
 
Augusto Gil, Rosas desta manhã

A GOTA DE ÁGUA

A lágrima triste
Que por ti surgiu
Mal que tu a viste,
Quase se não viu...
 
Como quem desiste,
Logo se deliu...
E, mal lhe sorriste,
Logo te sorriu!
 
Já não era a dor,
O sinal aflito
Duma funda mágoa;
 
Era o infinito

— O infinito amor,

Numa gota de água...

 

Augusto Gil, Avena Rústica

DE PROFUNDIS CLAMAVI AD TE DOMINE

Ao charco mais escuro e mais imundo

Chega uma hora no correr do dia

Em que um raio de sol, claro e jucundo

O visita, o alegra, o alumia;

 

Pois eu, nesta desgraça em que me afundo

Nesta contínua e intérmina agonia,

Nem tenho um hora só dessa alegria

Que chega às coisas ínfimas do mundo!...

 

Deus meu, acaso a roda do destino

A movimentam vossas mãos leais

Num aceno impulsivo e repentino,

 

Sem que na cega turbulência a domem?

Senhor! Não é um seixo o que esmagais;

Olhai que é - o coração de um homem!...

 

 Augusto Gil, Luar de Janeiro

Sombra de Fumo

 

 

Fumo, no entanto, alguma coisa é:
Porém sombra de fumo não é nada
Para o olhar que não abranja até
Onde a matéria já não faz jornada...
 

 

Génios subtis (ou de ilusória fé)
Há, para quem a sombra assim gerada
É o irreal a palpitar ao pé
Da ansiedade duma chama ansiada.

 

Esses, quando uma acha se incendeia,
Vêem no fumo leve que se ateia
E na sombra que dele se produz,
 
As falas duma língua mal sabida,
A conversa do nada com a vida,
O diálogo do caos com a luz...

 

Augusto Gil, Sombra de Fumo