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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

...

Dies Irae

Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.

Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!

 

Miguel Torga
Cântico do Homem

8 de Março

Data importante, este dia, por várias razões:

1º  - meu PAI* faria hoje 93 anos se vivesse, aliás ainda vive em nós, por isso para ele a minha recordação eternamente grata;

2º - porque é o dia da MULHER, esses seres tão mais fortes que os homens e sem os quais nos sentiríamos sempre sozinhos: a nossa Mâe é uma mulher!:

3º - porque finalmente a classe a que pertenço mostrou a unidade que nunca tinha tido antes - só fica a mágoa de não ter estado também a mostrar a minha indignação contra as imposições indignificantes, mas ... o povo é sereno!;

4º - só hoje ao passar por aqui notei que as visitas contabilizadas tinham ultrapassado as mil: sinto-me lisonjeado. Criei este espaço para homenagear Torga e afinal ainda há leitores que continuam a visitar este recanto. OBRIGADO a todos.

 

 

          *PAI

As tuas mãos morenas

calosas  do saibro da serra,

amansadas  na solidão

da luta com inculta terra...

 

O teu rosto escurecido

de vigílias e de cargas,

sempre sereno e lúcido,

em horas doces e amargas...

 

O teu suor destilado

em seiva, húmus  do corpo teu

é alimento  para os filhos

que agradeces  ao Céu.

 

E, no fim dos duros dias,

no secreto do teu lar,

mesmo exausto e sonolento

carinho ainda sabes dar.

 

Pela vida, pelo amor,

pelo carinho, pela ternura,

pelo tempo, pelo suor,

pelas letras, pela cultura,

por tudo o que de ti sai

tudo te agradeço,  PAI!

 

Pessanha II

  Continuando com Camilo Pessanha e porque esta primavera antecipada fez florir as rosas, apeteceu-me recordar este soneto que tem uma harmonia espantosa e onde o simbolismo é nitidamente visível. A neve é que continua arredia da nossa cidade. Virá em Abril?

 

 

Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...

Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze – quanta flor! – do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?

Camilo Pessanha

Os simbolistas portugueses - especialmente Pessanha - atraem pela musicalidade que conseguem imprimir aos seus versos. Este poema é um dos que permitem "apanhar" essa musicalidade e especialmente nos transportam para o mundo do onírico. Vale a pena saboreá-lo.

Ao Longe os Barcos de Flores

(A Ovídio de Alpoim)

Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranqüila,
- Perdida voz que de entre as mais se exila,
- Festões de som dissimulando a hora

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.

E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil... Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?

Só, incessante, um som de flauta chora...